O capitalismo perfumado brasileiro

Perfumando o capitalismo

Existe uma reflexão que, volta e meia, aparece nos muros das cidades ou em recentes postagens nas redes sociais: “Reformar o capitalismo é como perfumar merda”. Obviamente, quem pensa assim não espera que as urnas ou a pressão popular nas ruas seja capaz de conseguir algo muito relevante em termos de conquistas sociais, e acha que o povo brasileiro se encontra totalmente maduro e preparado para discutir a substituição do sistema capitalista em nome de outro, mais justo e menos desigual. Não é o meu caso.

Eu acredito que, tal como nos ensinou Lênin, devemos ter capacidade de agir de acordo com a conjuntura histórica do momento, e a conjuntura atual no Brasil não indica que o brasileiro médio esteja pronto para apoiar uma grande mudança de paradigma. Muito pelo contrário. No entanto, as manifestações de junho de 2013 mostraram que a população no país está disposta a, pelo menos, reivindicar melhorias, direitos, reformas, que pretendam deixar o capitalismo com um cheiro bem mais agradável do que o normal. Ou seja, um governo que compense os sofrimentos do sistema capitalista com algumas reformas e programas sociais. 

A grande polêmica está entre aqueles grupos de esquerda que, por um lado, acham que o “perfume” das reformas têm ajudado o capitalismo a prolongar a sua dominação – por torná-la mais suportável -- , e aqueles que defendem que ele representa conquistas legítimas da luta dos trabalhadores. Eu estou com esse segundo grupo. Aliás, desde o final do século XIX os trabalhadores no Brasil e no mundo vêm utilizando toneladas de perfumes contra a fedentina do capitalismo, com resultados incontestavelmente benéficos. Imaginem como seria a nossa vida hoje se aqueles trabalhadores do passado não tivessem conquistado, por via direta ou indireta, os direitos sociais de que gozamos hoje --  férias, 13º salário, greve, aposentadoria, jornada de 8 horas de trabalho, entre outras vitórias. Ainda estaríamos vivendo em condições subumanas, precárias, analfabetos e explorados ao extremo pelo capitalismo daquele final de século XIX. Isso teria encurtado a vida do capitalismo? Creio que não. Só teria tornado nossas vidas um pouco mais difíceis.

Não que estejamos no melhor dos mundos, muito longe disso. Mas na conjuntura das lutas entre o capital e o trabalho, foi o que deu para conquistar até agora. Hoje, passados mais de 100 anos, as classes dominantes brasileiras ainda são tão bem-sucedidas em sabotar a ascensão e a consciência de classe dos trabalhadores, que basta ver a quantidade de pessoas dispostas votar no candidato das elites nesta eleição, por influência da máquina de propaganda ideológica – leia-se, imprensa – de que dispõem para defender seus ideais conservadores. Mas não quer dizer que não possamos ter margem para muitas manobras a nosso favor. A prova disso é que o PT, o partido que melhor tem conseguido remediar as perversidades do capitalismo brasileiro, está em vias de conseguir mais um mandato.

A América do Sul tem mostrado ao mundo governos que são capazes de propor um paradigma mais humanizado de sistema político-econômico, mesmo ainda dentro do modelo burguês-liberal-capitalista e com todas as dificuldades e sabotagens das elites locais. Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina e Uruguai já mostraram que podem enfrentar os interesses egoístas do capital e proporcionar melhorias na educação, na saúde, na democratização das mídias e dos direitos das minorias. Quem pode achar essas conquistas inócuas ou desnecessárias? Só mesmo a extrema-esquerda.

O Brasil está bastante atrasado com relação aos seus vizinhos, muito por conta do ranço do seu conservadorismo tacanho, que emperra os avanços da sociedade e do comodismo do governo federal, que se comporta, até aqui, de maneira bem leniente perante o poder econômico das classes dominantes. E também por conta da completa incapacidade analítica da extrema-esquerda, que não consegue abandonar os dogmas bolcheviques para entender a realidade concreta do Brasil neste começo de século XXI.  Mas estamos querendo dizer com isso que defendemos uma adesão incondicional ao governo? Muito longe disso. Apenas que, na comparação com o adversário neste segundo turno, o PT representa uma opção mais “perfumada”  para a classe trabalhadora, e não há motivo para abandonar isso.

Mas ano que vem promete ser um momento de grandes lutas sociais no nosso país, onde a expectativa é que a sociedade civil organizada, que apoiou Dilma, consiga fazer frente a um Congresso eleito dos mais conservadores para pressionar o governo por mais conquistas sociais.

Em 2013, os políticos se mexeram, reformas saíram do papel, houve o fim do voto secreto no Congresso, parte do pré-sal foi para a educação e para a saúde, e mais recentemente, uma das maiores bandeiras dos protestos de junho foi aprovada: 10 por cento do PIB para a Educação. Mas ainda é pouco e devemos avançar.

Nenhuma dessas conquistas foi tão grande quanto ver o novo despertar do interesse dos brasileiros em assuntos de política nacional. Esse talvez tenha sido o mais importante e duradouro legado dos protestos de junho. A chave é não parar, não ceder, exigir cada vez mais, até que estejamos preparados para a tacada final.

Atualizado em 25 de outubro de 2014





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