Falta de cultura científica cria dependência tecnológica

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Atualizado em 20 de maio de 2015

Neil DeGrasse Tyson (imagem acima), apresentador da reedição da série Cosmos e do programa de entrevistas Star Talk, é sem dúvida uma das figuras mais populares dentre os cientistas no mundo. Além de ser um importante astrofísico, ele também atua na defesa do pensamento crítico e disseminação dos métodos científicos, trabalhando para que o governo do seu país invista cada vez mais na cultura científica. Mas por que isso seria tão importante?

Apesar de parecer uma pergunta óbvia, o fato é que o conhecimento de base científica vem declinando de prestígio nas últimas décadas pelo mundo, o que sugere que as pessoas não têm percebido o quanto suas vidas estão diretamente relacionadas com as descobertas da ciência e da tecnologia. Além disso, as empresas que atuam na área de tecnologia e pesquisa têm trabalhado para assegurar um rigor cada vez maior sobre a propriedade intelectual, obrigando os países menos desenvolvidos a uma dependência tecnológica. Aqueles que, além de inventar e aprimorar, protegem suas descobertas dos outros o máximo que podem através das patentes -- muito além do que seria justo, na verdade – são os países mais bem sucedidos.

Ciência e Tecnologia afetam diretamente a economia

Em uma entrevista, alguns anos atrás, Tyson, apelando para o orgulho norte-americano, mostrou como é preocupante a perda da supremacia científica nos EUA – o que tem feito apelarem para uma maior proteção dos seus direitos de patentes.

ApophisApophis é o nome de um asteroide com previsão significativa de possível colisão com a Terra em 2029 ou 2036. Os russos já planejam uma expedição ao asteroide no futuro para tentar desviar seu curso, e perguntaram aos cientistas norte-americanos se eles desejam participar do projeto -- para a total indignação do astrofísico. Segundo ele, “nós é que deveríamos liderar um projeto dessa natureza, e perguntar aos outros se eles é que gostariam de participar”. Os EUA sofrem com cortes significativos no seu programa espacial, a ponto de alguns de seus astronautas terem frequentemente que pegar carona para o espaço em naves russas.

Mas, orgulho patriótico à parte, o fato é que Tyson sabe exatamente os riscos para os Estados Unidos da falta de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Significa o fim da liderança política e principalmente econômica dos EUA.

Falta de cultura científica no Brasil

Industria FarmaceuticaNo caso brasileiro, nós sentimos a falta de uma cultura científica de modo bastante específico, representado não na perda de liderança mundial (que nunca tivemos) e sim na pesada dependência tecnológica, que reproduz no campo da tecnologia a divisão internacional de trabalho: nós, como fornecedores de matérias-primas e consumidores de produtos industrializados. Por exemplo: fornecemos as propriedades das nossas plantas nativas  que depois viram remédios que serão importados dos grandes laboratórios das indústrias farmacêuticas estrangeiras.

A necessidade de investir pesadamente em P&D poderia ser até secundária para nós, se houvesse a possibilidade do país usar de forma livre as invenções e desenvolvimentos tecnológicos de terceiros, mas isso não acontece. Os países ricos detém cerca de 97 por cento dos direitos de reprodução (copyrights) e de patentes de diversos itens, e têm lutado para proteger ainda mais a sua propriedade intelectual, impedindo o livre acesso a tecnologias mais eficientes nos países em desenvolvimento por tempos cada vez maiores. Nesse quadro, o caminho natural seria investir na produção de nossas próprias tecnologias.

As grandes corporações do planeta, sob a liderança da indústria farmacêutica, conduziram um lobby internacional pelo reforço dos direitos de propriedade intelectual (IPR na sigla em inglês) através do acordo TRIPs (Trade-Related Intellecual Property Rights) que expandiu o escopo e a duração da proteção dos IPRs como nunca antes, dificultando a disseminação do conhecimento para os países em desenvolvimento.

Patentes asseguram o monopólio

Na segunda metade do século XIX, a duração de uma patente em 60 países era, em média, de 13 anos. Entre 1900 e 1975 essa média aumentou para 17 anos. Atualmente, por influência das empresas norte-americanas o “padrão global” de uma patente é de 20 anos, por conta dos acordos TRIPs na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que permite um monopólio muito além do necessário. Nos Estados Unidos, qualquer coisa pode ser patenteada, como a compra pela internet na Amazon com apenas “um clique”, o “sanduíche selado em casa” da empresa de alimentos Smuckers, além de coisas como “o método de tornar o pão fresco novamente” até “método de balançar no balanço” (aparentemente inventado por uma criança de 5 anos…)*.

Enquanto outros países buscam formas (até exageradas, como vimos acima) de garantir o monopólio tecnológico, no Brasil não vemos incentivo para a produção científica própria, o que nos obriga a pagar caro por tecnologia estrangeira. O país até tem tentado buscar soluções para uma política de proteção intelectual que atenda aos interesses públicos em primeiro lugar, mas se concentra apenas nas patentes de medicamentos. Não busca se livrar definitivamente da dependência tecnológica em setores de ponta como automobilístico, espacial, infra-estrutural, etc.

A publicação do livro “A Revisão da Lei de Patentes: Inovação em Prol da Competitividade Nacional” no final do ano passado, fruto de debates sobre a política nacional de inovação tecnológica e a Lei de Patentes (9.279/1996), ocorrido na Câmara dos Deputados, peca por seguir rigorosamente os ditames da Organização Mundial do Comércio, contaminado pelo lobby das multinacionais que impuseram os acordos TRIPs, como vimos anteriormente.

Investir em Educação em massa, na disseminação do conhecimento e nas Universidades públicas -- local privilegiado para a P&D --  foi o caminho traçado por países que um dia foram “atrasados”, mas que hoje lideram no campo científico e tecnológico, como a China, a Coreia e o Japão. Só quando o Brasil tiver um projeto nacional de desenvolvimento que tenha na Ciência e na Tecnologia áreas de interesse estratégico é que vamos poder pensar de fato em erradicar o analfabetismo científico que grassa no país. E quem sabe um dia, tenhamos o nosso próprio Neil DeGrasse Tyson como símbolo dessa nova fase.

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*Dados do economista sul-coreano Ha-Joong Chang em seu livro Maus Samaritanos. p. 132.





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