A imprensa esportiva e a política na arte da manipulação

Galvão e Patrícia Poeta

Assistindo a alguns comentários na TV nos lances finais do último amistoso do ano entre Brasil e Áustria, eu me toquei do nítido e óbvio papel da imprensa na criação de factoides e de exacerbações que pululam entre o senso comum. Dali saem clichês que mais tarde serão replicados por todos os lugares como verdades absolutas. O que não é exclusividade da imprensa esportiva, diga-se de passagem. Muito pelo contrário.

Basta pensar que o que eles fazem na imprensa esportiva, em se tratando de seleção brasileira, é feito exatamente na imprensa política, em relação ao governo.

Na seleção é tudo sempre muito simples. Tudo que nos diz respeito é digno, tudo é sempre maravilhoso. E se acontece alguma coisa de errada, é sempre dos outros, ou contra nós, é óbvio. Um maniqueísmo que cega.

Recentemente o ex-capitão da seleção na última Copa, Thiago Silva, que aliás vem dando demonstrações lamentáveis de ser uma criança mimada, reclamou que Dunga e Neymar lhe deram uma pernada ao lhe tirarem a braçadeira de capitão, sem dar-lhe a menor satisfação. Foi criado um clima ruim (pelo próprio jogador) e alguma coisa precisava ser feita.

Foi então que Neymar, atual capitão, ao ser substituído nesse último jogo, teve a "magnífica", "honrada", "nobre" ideia de passar a braçadeira para o choroso Thiago Silva, um gesto "dos grandes homens", que "prova que Neymar chegou a um patamar elevado" e blá-blá-blá, tudo de acordo com Galvão Bueno, Caio e Casagrande. Uma coisa patética, descarada e forçada, mas que cola, esse que é o problema. Essas pessoas criam factoides que a maioria das pessoas engole, assimila e reproduz por aí como verdades. Esse gesto será ainda discutido durante dias nos principais programas esportivos, certamente louvando a grandeza de um gesto digno.

O que Casagrande, Caio e Galvão fazem para construir a falsa imagem de Neymar como alguém notável por uma coisa tão banal, Merval Pereira, Miriam Leitão e seus congêneres fazem no jornalismo econômico/político para desconstruir a imagem do governo em outros casos não tão banais, mas que recebem uma dimensão igualmente desproporcional — para pior. E isso também cola, porque soa como música aos ouvidos pouco afeitos a uma análise crítica dos fatos tanto nestas áreas como no futebol. A política no Brasil vem sendo tratada com as paixões irracionais das torcidas de arquibancadas, inclusive com ameaças de vias de fato pelas ruas entre lados diferentes.

A responsabilidade destes homens de mídia, tanto na inofensiva criação de um mito futebolístico quanto na exacerbação das tensões políticas é muito latente. Em ambos os casos, o telespectador é vítima de manipulação barata, onde estão envolvidos interesses comerciais e ideológicos de terceiros. O cidadão é transformado em sujeito passivo, que tem a vida “conturbada e corrida demais”, e então precisa delegar a terceiros a tarefa de pensar por ele para mastigar e amaciar as notícias que ele recebe, num pacote pronto e enfeitado.

Só mesmo um governo corajoso o suficiente poderá enfrentar esses grupos e atacar seus monopólios da manipulação, para que essas fábricas de consensos possam ter a concorrência de outras ideias, outros pensamentos e outras opiniões, contribuindo assim para a maior diversificação e pluralidade da nossa sociedade. Basta lembrar que esse ano eles quase conseguiram a proeza de eleger seu candidato preferido apenas com factoides sobre o governo. É uma tarefa que a presidente Dilma Rousseff terá que encarar, se não quiser sucumbir num mar de embustices lançadas por estes detratores das mídias comerciais. Quanto a Galvão Bueno e seus arroubos de patriotadas, que venha a tão esperada aposentadoria para breve.





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