As religiões não podem ser satirizadas?

Por conta do recente atentado contra o jornal Charlie Hebdo na França por terroristas islâmicos, reacendeu-se no mundo o debate a respeito da liberdade de expressão. Ativistas lembraram que a democracia corre perigo quando criminosos tentam calar as críticas com assassinatos, e também quando pessoas do mundo inteiro tentam justificar o atentado pelo conteúdo de gosto duvidoso das charges publicadas no jornal, supostamente “islamofóbicas”, por fazerem piada com o profeta Maomé, algo considerado inadmissível para os seguidores daquela religião.

Levantando essas críticas justamente neste momento, dão a impressão de que estão tentando amenizar um crime bárbaro. O juízo de valor sobre o bom gosto das charges é relativo, mas o que devemos discutir agora em primeiro lugar, é o crime que elas causaram. Além disso, fica implícito outra questão bastante presente em situações desse tipo: que as religiões são “sagradas” e portanto, criticá-las, fazer piadas com elas ou seus símbolos é um desrespeito. Vamos tentar entender isso.

Como disse Richard Dawkins em seu livro, Deus, um Delírio, existe a crença disseminada em todas as sociedades de que a fé é vulnerável a ofensas e que por isso, deve ser protegida “por uma parede de respeito extremamente espessa”. Nessa mesma publicação, ele resume a questão citando um discurso de improviso de Douglas Adams em Cambridge, um pouco antes de morrer:

A religião […] tem determinadas ideias em seu cerne que denominamos sagradas, santas, algo assim. O que isso significa é: “Essa é uma ideia ou uma noção sobre a qual você não pode falar mal; simplesmente não pode. Por que não? Porque não e pronto!”. Se alguém vota em um partido com o qual você não concorda, você pode discutir sobre isso quanto quiser […] Mas se alguém disser “Não posso apertar o interruptor da luz no sábado”, você diz: “Eu respeito isso”.

Nossa sociedade dita “laica” é pródiga em tratar a religião com privilégios, como uma instituição acima do bem e do mal. E assim seus líderes tem o direito de pregar o ódio contra minorias, contra negros, mulheres e outras religiões protegidos pela suposta sacralidade de seus atos e pela liberdade religiosa. Além disso, contam com privilégios fiscais e com a benevolência das autoridades com relação aos milhões de Reais arrecadados em seus serviços religiosos. O mínimo que a sociedade poderia ter como direito seria satirizar os dogmas que eles pretendem que sejam espalhados para todos nós através da pressão nos nossos políticos. É um dever cívico denunciar religiões que pregam contra direitos civis baseadas, no nosso caso, num livro escrito por um povo bárbaro da Idade do Bronze, uma espécie de coletânea de mitos de outras crenças do neolítico que eles interpretam ao sabor de seus preconceitos.

Nesse sentido, e apenas nesse sentido – sem querer me ater quanto ao bom gosto ou não de suas charges – eu apoio o jornal Charlie Hebdo, e espero que eles não se rendam ao terrorismo. Não podemos ceder a pressões de quem quer impor suas crenças irracionais a todos nós. Criticar, debochar e satirizar religiões é perfeitamente legítimo, como fazer piada de político ou de partidos políticos é absolutamente aceitável.





Comentários

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Rio de Janeiro e Bonn: duas ex-capitais, dois destinos diferentes

Por que ocultam o debate da obsolescência programada no tema ambiental

A História dos Sambas-Enredos no Carnaval Carioca: Entre Melodias e Críticas Sociais

O Holocausto como monopólio e trunfo dos sionistas.

Inacreditável. Cientista política diz que discurso de posse de Lula revela o "nós contra eles"