Meio ambiente e capitalismo: uma discussão necessária

André Trigueiro debate sobre o meio ambiente

Na manhã de hoje (14/9) eu tive a oportunidade de estar presente na abertura do VIII Fórum de Debates Povos e Culturas das Américas, uma realização do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cujo foco era voltado ao meio-ambiente.

O palestrante convidado da primeira sessão foi o jornalista das Organizações Globo, André Trigueiro, reconhecido militante das causas ambientais. No entanto, ouvi-lo foi uma surpresa (talvez nem tanto) decepcionante, pois ele, apesar da pompa e das afetações na fala, repete no conteúdo algumas das falácias, omissões e distorções que geralmente aparecem quando o assunto é meio-ambiente.

Primeiro, porque o jornalista reforçou a ideia ingênua de colocar sobre nós, cidadãos, a maior parte da responsabilidade na crise do meio-ambiente e na solução de problemas. Por exemplo, citando o caso de uma menina israelense – que foi tema de reportagem da Globonews – que, a exemplo do seu povo, toma banho com um balde para evitar desperdícios de água. Ou quando se vangloriou de ter feito os porteiros do seu prédio pararem de lavar as calçadas com mangueiras.

Eu pensei ser o único a estar incomodado na plateia com tamanha superficialidade e omissão da questão político-econômica do meio ambiente, mas tendo em vista as perguntas que foram feitas ao palestrante, o incômodo era geral. A mais emblemática delas foi feita por um professor latino-americano presente, como uma forma de provocação: “é mais fácil falar de fim do mundo do que do fim do capitalismo?

Professor Theotônio dos Santos, presente, foi homenageado

Mas é óbvio que não podemos falar de preservação do meio-ambiente sem questionar o sistema econômico que fomenta o consumismo exacerbado, a obsolescência programada, a distribuição desigual de riquezas, o uso indiscriminado dos recursos naturais… Não dá pra discutir preservação do meio ambiente, colocando na conta do cidadão a culpa da racionalização de água potável, quando apenas 8 por cento de todo o recurso hídrico do país é utilizado pela população em uso doméstico. Quem gasta mais e desperdiça mais água? Setores como o Agronegócio (72 por cento) e Indústria (22 por cento). Alguns desses setores foram mencionados diretamente pelo jornalista? Não. Aliás, ele fugiu de todas as perguntas que questionavam o capitalismo e seus danos ao meio-ambiente.

Tal situação incomodou tanto, que um dos presentes que seriam homenageados em seguida, o professor Theotônio dos Santos, teve que pedir um aparte, para dizer, acertadamente, que meio-ambiente é questão de Estado e alvo de luta de classes, no que o jornalista replicou ingenuamente que “nós somos os Estado”. Pela sua explicação posterior, ficou claro se tratar de uma visão pós-moderna que nega a política como locus principal do poder de decisão, considerando-a “atrasada” frente a novos meios de participação direta e militante, no espírito “faça você mesmo”, como por exemplo, não lave seu carro com mangueira d’água. 

Theotônio dos Santos é um grande cientista social e economista, reconhecido internacionalmente. Foi um dos propagadores da Teoria da Dependência na segunda metade do século XX. Com ela, podemos entender melhor o papel subalterno da América Latina, do país e da periferia do capitalismo de forma geral perante as nações que largaram na frente no século XIX e que hoje formam o centro do sistema econômico mundial.

Sem esse arcabouço teórico, apostando em atitudes meramente individuais, pessoais, André Trigueiro jamais será capaz de explicar o fato de um morador de Santa Cruz-RJ, que segue rigorosamente os preceitos ecológicos que o jornalista defende (uso racional da água, separação e descarte consciente do lixo, economia de eletricidade, etc.) ser vítima, por outro lado, de uma nuvem tóxica de poeira proveniente dos altos fornos da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), que causa danos ambientais gravíssimos e duradouros, muito maiores que as descargas do vaso sanitário do cidadão. Não vai saber que, bem de acordo com a teoria de centro-periferia, quando a Europa apertou as leis ambientais recentemente, suas empresas poluidoras vieram instalar-se aqui na periferia do mundo – como a própria TyssenKrupp da Alemanha, que opera a CSA em Santa Cruz. Política de Estado associada com megaempresas privadas. Capitalismo. Não dá pra ignorar isso. 

Veja mais em: CSA envenena moradores em Santa Cruz

Portanto, enquanto ninguém questiona a legítima necessidade de uma maior conscientização coletiva a respeito do uso racional dos recursos ambientais, não podemos ter essa discussão da degradação ambiental sem colocá-la no seu devido lugar, como efeito de um sistema econômico danoso ao planeta, que deve ser criticado e destruído, substituído por outro mais harmonioso com os escassos recursos naturais. Margareth Thatcher costumava dizer que “não há alternativa” ao capitalismo selvagem. Mas agora eu digo que a frase deve ser reformulada: com o capitalismo selvagem, não há alternativa. É o fim do planeta.





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