Pezão, um estranho fenômeno de repentina popularidade

Pezão protestos de junho

Naqueles memoráveis dias de junho do ano passado, o Brasil foi às ruas protestar. O que começou como uma campanha contra o aumento de 20 centavos na tarifa dos transportes se transformou num movimento de massas, e os protestos então se voltaram para variados temas, em especial a corrupção.

No Rio de Janeiro, no auge da indignação, mais de um milhão de pessoas direcionaram seus protestos ao então governador do Estado, Sérgio Cabral Filho. Responsável por um dos governos mais impopulares dos últimos tempos, avaliado como o pior governante do país inteiro, o político sentiu a pressão: saiu antes de terminar o mandato, e teve sua candidatura ao senado abortada pela sua descomunal taxa de rejeição.

Por tudo isso, seu insosso e até então desconhecido vice, Luiz Fernando Pezão, assumiu o governo e foi lançado às pressas na sua própria campanha para o próximo mandato. Como não podia ser diferente, começou sem nenhum prestígio, na faixa dos 5 por cento de intenções de voto, muito abaixo dos principais concorrentes (na pesquisa eleitoral de dezembro do ano passado, Garotinho tinha 21 por cento, Crivella e Lindbergh empatavam em segundo com 15). Nada indicava uma subida do candidato, mas nos últimos dois meses, um fenômeno extraordinário aconteceu. Pezão, que em julho deste ano já tinha 15 por cento de intenções de voto, em sessenta dias simplesmente dobrou esse número, chegando à liderança da disputa, com 29 por cento na última pesquisa.

Como entender esse fenômeno de popularidade repentina? O que fez aquele eleitorado revoltado e impaciente, que colocou um milhão de pessoas nas ruas gritando “Ei, Cabral, vai tomar no c...”, de repente votar justamente no candidato do Cabral?

Para tentar entender esse fenômeno é preciso atacar três frentes: a influência perversa da mídia na democracia, a falta de critério do eleitor, ou a total imprecisão dos institutos de pesquisa. Ou as três coisas juntas.

A mídia determina quem é bom e quem é ruim

Desde que Anthony Garotinho apareceu na liderança da disputa fluminense, seu maior adversário político não tem sido nenhum dos postulantes ao governo, e sim a Rede Globo de Televisão. Numa campanha desigual, assimétrica e intensa, a emissora ataca o candidato de forma sistemática em todas as oportunidades enquanto alivia a vida dos seus concorrentes. Não que o Garotinho seja um santo, muito longe disso. Mas o problema mais grave, é que a emissora não apresenta a mesma sanha investigativa em relação, por exemplo, ao envolvimento de Pezão na fraude em licitações para compra de uma ambulância no município de Barra do Piraí, no Sul Fluminense, quando era prefeito, crime que ficou conhecido como Máfia dos Sanguessugas e que fez o Ministério Público Federal pedir a suspensão dos direitos políticos do candidato. Certamente ninguém viu essa denúncia gravíssima nas emissoras do império jornalístico durante esta campanha. Isso para não contar as imensas suspeitas pelo envolvimento promíscuo do atual governador com empreiteiras desde a época em que era vice de Cabral. Infelizmente esse tipo de jornalismo parcial, interesseiro e com ideologia política que protege um lado e expõe o outro influencia a opinião dos eleitores.

Falta de critério do eleitor atenta contra ele mesmo

Sabemos que não podemos simplesmente culpar aqueles eleitores que tentam tirar proveito pessoal das eleições. A Zona Oeste do Rio, por exemplo, apesar de ser um dos maiores colégios eleitorais do Estado, é também uma das regiões mais abandonadas pelo poder público. Nesse ambiente de total falta de investimentos e de perspectivas, surgem aqueles políticos oportunistas que praticam a mal-fadada compra de votos. Um emprego aqui, uma cadeira de rodas ali, uma vaga num hospital acolá, e assim se criam as condições para a exploração da população mais carente. Afora isso, há o envolvimento da milícia da região na política, intimidando os moradores a elegerem os candidatos de determinada chapa. Ganha um doce de coco quem adivinhar quem é o candidato a governador que domina os banners na região das milícias...

Apesar de imprecisas, pesquisas influenciam decisão do eleitor

O estatístico José Ferreira de Carvalho, professor aposentado da Unicamp e livre docente pela USP, diz que as pesquisas eleitorais deveriam ser vetadas. Segundo ele, a metodologia falha favorece determinados candidatos e influencia no resultado. Por uma questão de contenção de custos, a maioria dos institutos faz uma “amostragem não probabilística” ou seja, os entrevistados são escolhidos na rua pelo julgamento subjetivo do entrevistador e não de forma totalmente aleatória. Assim, por exemplo, para preencher a quota de, digamos, 2.000 eleitores consultados, o entrevistador ficaria apenas num determinado local e assim pegaria pessoas de características similares. Sabemos que as regiões de uma cidade não são todas iguais. Uma pesquisa eleitoral onde os entrevistadores se concentram no Leblon teria o mesmo resultado, se eles se concentrassem, por exemplo, em Santa Cruz? É claro que não. São bairros cujos moradores apresentam especificidades absolutamente discrepantes: renda, escolaridade, expectativa de vida, etc.

Além disso, outra questão importante: grande parte do eleitorado só responde em quem vai votar em pesquisas estimuladas, ou seja, quando o entrevistador dá uma lista dos concorrentes. Quando em vez de estimulada a pesquisa é espontânea, ou seja, o eleitor precisa dizer ele mesmo em quem vai votar, aí a coisa complica. Mais da metade não lembra ou não sabe. Esses fatores indicam que são geralmente influenciados pela maciça publicidade de campanhas milionárias com financiamento privado, que martelam diariamente os nomes e os jingles de determinados candidatos em detrimento daqueles que não tem apoio das empresas privadas para divulgar seus programas de governo. Certamente é o caso de Luiz Fernando Pezão.

  Saiba mais: Fornecedoras do governo Pezão doam milhões ao PMDB 

Tendo em vista todas essas variáveis controversas que podem alterar uma eleição, é caso de se perguntar: não está mais do que na hora de uma verdadeira reforma política, para aperfeiçoar não só o sistema eleitoral, como a própria democracia, corrigindo um sistema que pode eleger um candidato que participou do mesmo governo que fora execrado por mais de um milhão de pessoas nas ruas um ano atrás?





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