Sete bilhões de bocas para alimentar

No dia 31 de outubro de 2011, conforme noticiado em todo o mundo, chegamos à marca de 7 bilhões de pessoas no planeta. Está achando muito? Na época os debates causavam grande alarde, levantavam possibilidade de catástrofe e guerras, ressuscitavam teorias malthusianas, um cenário terrível para o futuro. Pois saiba que em 2050 seremos 9 bilhões, e a primeira preocupação que surge é: como alimentar tantos seres humanos? Será que vai faltar comida?

Se hoje já existem 1 bilhão de pessoas famintas no mundo — você há de pensar — o que será daqui a 40 anos, com 9 bilhões de pessoas? Pois fique você sabendo que hoje o planeta já seria capaz de alimentar todo esse contingente de pessoas e muito bem. Segundo documentário de Silvio Tendler, (O veneno está na mesa), hoje produzimos três vezes mais comida do que somos capazes de consumir. Então onde está o problema?

Má distribuição e desperdício

É fácil deduzir: primeiro, o problema está principalmente no sistema econômico mundial, que permite que haja uma monstruosa perda de comida por um lado, e escassez brutal de outro. Porque comida é mercadoria, lógico. E está onde se pode pagar mais por ela.

E mais: de acordo com o economista norte-americano Mancur Olson, tanto no mundo rico quanto no pobre, uma proporção impressionante de alimento apodrece antes de chegar às mesas. O número varia entre 30 e 50% de toda comida produzida. Nos países pobres, investir na infraestrutura do setor agrícola exigiria gastos, o que afetaria, num primeiro momento, a fatia dos lucros. Aí não pode. Conclusão: ratos, camundongos e gafanhotos comem as colheitas nos armazéns — em vez de silos refrigerados, os grãos são amontoados no chão e cobertos com uma lona; leite e vegetais estragam ou vazam durante o transporte. Nos países ricos o desperdício é diferente. A fartura faz a metade da comida dos mercados, lojas e restaurantes irem para o lixo antes de ser consumida. Só nos Estados Unidos este desperdício somou (pasmem!) 43 milhões de toneladas de alimentos em 1997! Cem quilos de comida por pessoa indo pro lixo todo ano na América!

Os problemas são bem outros

Antes de sair por aí defendendo ideias malthusianas e bolsonarianas, saiba que a agricultura já produz alimento para todo mundo, como já foi dito. Um estudo de 1996 da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estimou que o mundo produzia alimentos suficientes para fornecer a cada homem, mulher e criança do planeta, 2.700 calorias diárias, várias centenas a mais do que o necessário (por volta de 2.100). Hoje o número é mais otimista, e teríamos capacidade de alimentar 21 bilhões de bocas existentes  -- três vezes mais do que o necessário.

Fascistas aproveitam para propor controle de natalidade autoritário (para pobres)

Defender medidas fascistas como a castração de seres humanos pobres como uma medida razoável de controle populacional é algo, no mínimo, canalha de se fazer. Pode-se discutir se 7 ou 9 bilhões de pessoas são números adequados, mas jamais defender medidas autoritárias, simplistas, de cima pra baixo, para a solução do problema. Além de egoísta, a medida é ilusória e ineficiente, já que não ataca o problema na raiz. Via de regra, pessoas mais pobres e com menos estudos têm mais filhos porque, na ausência do Estado, são esses que vão prover a “aposentadoria” dos pais, quando estes não tiverem mais forças para trabalhar no campo, e cada vez mais, nas grandes cidades. Além do mais, está mais que provado que o maior nível de estudo contribui para que as pessoas tenham melhores empregos e seguridade social nas cidades, e com isso tenham também bem menos filhos. Não é outra razão senão esta porque na Europa têm-se até taxas negativas de crescimento vegetativo. Nada de castração, nada de controle de natalidade. Simples opção consciente, como deve ser.

Não se preocupe, sua comida estará garantida para os próximos 40 anos. Felizmente você não vive num país asiático ou africano, onde a exploração capitalista histórica atrasou o desenvolvimento local a ponto de hoje a agricultura incipiente e arcaica dessas regiões não dar conta de alimentar sequer seus habitantes. Não há nada com o que nos preocupar. Ou será que há?

Com informações da revista Carta Capital nº638, pp.42-56





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