Cinegrafista foi vítima do jornalismo-espetáculo da imprensa brasileira

cinegrafista_band Nesse domingo passado (6/11) aconteceu aquilo que mais cedo ou mais tarde era esperado: um cinegrafista morreu na cobertura de uma ação policial no Rio de Janeiro. A cada ano que se passava, os jornalistas estavam mais envolvidos nas operações, participando ao vivo direto do confronto. Agora, com a morte de Gelson Domingos, emissoras e órgãos representativos de jornalistas prometem rever esse tipo de cobertura.


embedded reporter A tendência de levar o telespectador para dentro dos acontecimentos começou na terra do show business. Nos Estados Unidos, grandes tragédias naturais, perseguições policiais e guerras são cenários perfeitos para repórteres eloquentes e sensacionalistas prenderem a atenção dos telespectadores ávidos pelo jornalismo de espetáculo. Essa tendência foi levada à Guerra do Golfo pela CNN em 1991, seguidas por outras redes como a ABC. Na Guerra do Iraque em 2003, os bombardeios às cidades iraquianas eram aguardados com grande expectativa por câmeras estrategicamente localizadas para mostrar o que mais parecia o show de fogos do Réveillon de Copacabana. E os âncoras da TV narravam com entusiasmo cada explosão que transformava a noite em dia no Iraque. Nos dias seguintes diziam: “Se você perdeu, daqui a instantes repetiremos as imagens do bombardeio”. E repórteres com coletes à prova de bala e capacetes de guerra (os chamados embedded reporters) davam o tom dramático do “showrnalismo” direto do front de batalha. Não ia demorar muito para que essa tendência americana chegasse à imprensa do nosso país.
Em 2010 a Globo tirou Fátima Bernardes do frio e informal estúdio do Jornal Nacional e a levou para o Morro do Bumba, em Niterói-RJ, logo após o deslizamento que matou mais de 500 pessoas. Enquanto as noticias eram dadas, ao fundo podia-se conferir toda a tragédia, destruição e desespero dos sobreviventes, que deixaram de ser vítimas por alguns instantes para se tornarem pano de fundo do Jornal. Mas essa tendência de jornalismo sensacionalista ficou mais evidenciada na cobertura dos confrontos entre traficantes e policiais nos morros do Rio de Janeiro.
Para James Fallows, jornalista americano, autor de "Detonando a Notícia" (Civilização Brasileira):
"Há um dilema para o jornalismo do mundo ocidental capitalista. Por um lado, trata-se de um negócio. É preciso gerar lucro com as agências, revistas, emissoras e jornais. Temos que ser pagos pelo nosso trabalho. Por outro lado, sempre foi mais que um simples negócio. Sociedades democráticas exigem um jornalismo atuante que passe às pessoas as informações necessárias para que tomem suas decisões e possam ter uma visão crítica das fontes de poder. O problema ocorre quando a visão de negócios atropela a função democrática. Aí começa o desequilíbrio".
jornalismo-espetaculo Deixando de lado seu papel na informação dos fatos necessários à sociedade e seguindo a influência das TVs comerciais americanas, inseridas na lógica de disputa concorrencial por audiência baseadas no jornalismo espetáculo, as TVs brasileiras passaram a colocar repórteres e cinegrafistas dentro dos confrontos, em busca dos episódios mais dramáticos. Cenas de pessoas desesperadas correndo dos tiros enquanto repórteres com coletes e cinegrafistas trêmulos (os embedders cariocas) trazem para dentro de nossas casas os desesperos dos conflitos armados nos morros cariocas. Balas traçantes de fuzil, pistolas, metralhadoras e gritos fazem parte da trilha sonora desse show de horrores. No último domingo, a vítima dessa tragédia social não foi o policial, nem o traficante, nem o inocente: foi o cinegrafista Gelson Domingos, colocado dentro do conflito armado em nome do nosso jornalismo-espetáculo.
Agora as associações de jornalistas e ONGs fazem protesto, mas nunca questionaram a intenção desse tipo de jornalismo. Transformar a tragédia em show é imoral e não serve aos interesses da sociedade brasileira, só atende a expectativa de uma mídia cada vez mais comercial e voltada apenas e tão somente para os índices de audiência. Que a morte de Gelson sirva ao menos para que as emissoras revejam esse tipo de conduta da imprensa brasileira, para que ela volte a servir à sociedade da melhor maneira.






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