E se o Maracanã também tivesse um “Marco Civil”?

Quer ter uma boa ideia do que aconteceria com a internet no Brasil, se o Marco Civil recentemente votado e aprovado na Câmara não contemplasse o princípio da neutralidade? É só dar uma olhada no que fizeram com o Novo Maracanã e seu público estratificado por faixa de renda.

Alguns anos atrás, ir no Maracanã era um programa sem distinção de classes. Tanto o pobre quanto o rico podia assistir aos jogos sem nenhuma diferenciação na parte do estádio que quisesse, pois o Maracanã, basicamente, tinha apenas três setores para o público, nenhum com grande diferença de preço e de localização: geral, arquibancada e cadeiras inferiores. Pagando um ingresso para algum desses setores, você ficava na localização que quisesse, tanto atrás dos gols quanto na parte centralizada, sem diferenças.

Já nas reformas para os jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro em 2007, começou a discriminação nos setores. A parte central das arquibancadas, com visão privilegiada do campo, foi separada por grades e começou-se a cobrar um preço diferenciado, mais caro.

Junto com isso acabaram com o setor mais barato: a geral foi abolida com uma determinação da FIFA de que não se podia mais assistir jogos em pé – o que é irônico, tendo em vista que, mesmo com cadeiras, o público brasileiro ainda hoje continua assistindo aos jogos em pé na maior parte do tempo.

    Veja também: Os atravessadores do Novo Maracanã

O golpe fatal na “neutralidade” do Maracanã veio com as reformas para a Copa do Mundo. Depois de pronto, o estádio, que já não tinha geral, perdeu as cadeiras inferiores, e aumentou as arquibancadas com diferenciação por localização e camarotes. Uma grande estratificação de preços de acordo com a localização do setor e com a faixa econômica do torcedor transformaram o Maracanã num dos palcos mais antidemocráticos do país, totalmente elitizado. Quem paga mais, fica nos lugares privilegiados. Quem paga menos, nos piores. E quem só poderia pagar pouco – como era antes -- nem entra. Num país em que lutamos contra a histórica desigualdade social, o Maracanã vai totalmente na contramão dessa tendência.

 maracana novo

Era exatamente isso que estava para acontecer com o nosso acesso à internet, caso o Marco Civil não mantivesse o princípio da neutralidade. Com ele, o tratamento dos pacotes de dados – a forma usual de transmissão de informações na Internet – deve ocorrer de modo não discriminatório. Todos os internautas têm direito à mesma velocidade de internet para acessar, baixar e fazer upload de qualquer tipo de arquivo ou para acessar todas as páginas. Sem a neutralidade no tratamento dos internautas, as operadoras ofereceriam planos diferenciados de acordo com a faixa de renda, favorecendo quem pagasse mais, exatamente como no Maracanã. Talvez você pudesse acessar o site X, mas não ouvir música no site Y, porque seu pacote não contemplaria isso. Como no Maracanã, onde você só pode ver jogo, por exemplo atrás dos gols, mesmo que o estádio esteja totalmente vazio nos outros setores.

Claro que ninguém gostou, e o lobby das teles fracassou. Mas infelizmente deixamos passar o lobby das empreiteiras, e agora o torcedor do Maracanã sofre no estádio com o que seria na internet discriminatória das teles. Precisamos defender um Marco Civil para o Maracanã também.





Comentários

  1. Me lembrei de uma aula na faculdade, em que o professor dizia que as coisas no Brasil não são caras só porque os impostos são abusivos, são caras principalmente para diferenciar mais ainda ricos e pobres. Ele contou pra exemplificar que a empregada doméstica de uma conhecida dele na Itália vivia no mesmo prédio da patroa, enquanto que no Brasil é inconcebível pessoas de rendas diferentes vivendo/ frequentando o mesmo espaço. Esta segregação está em tudo: comércio, lazer, moradia...

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    1. Olá Raquel,

      Esse exemplo que você mencionou faz todo o sentido, e eu acredito que seu professor esteja correto. Na verdade, as coisas caras criam um abismo muito grande entre aqueles que podem e aqueles que não podem pagar. E isso é mais um sintoma da perversidade da nossa terrível desigualdade social.
      Ótimo ponto, obrigado pela participação.

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