Portugal, crise do capitalismo e desigualdade social

Pobreza em PortugalAs pessoas mais atentas devem se perguntar a respeito da economia mundial em que estão inseridas: como um sistema – o capitalista – que desde a década de 70 do século XIX apresenta crises cada vez mais frequentes e devastadoras é capaz de se manter, mesmo provocando cada vez mais rejeição na população?

Certamente porque nem todos sofrem seus efeitos de forma idêntica.

Enquanto está tudo bem na economia, os barões do capitalismo usufruem de liberdade para praticar as suas jogatinas especulativas, inchando de modo artificial as suas riquezas. Os trabalhadores podem, por outro lado, desfrutar de alguma estabilidade. Mas eis que um dia a brincadeira dá errado, e as fortunas começam a desmoronar como um castelo de cartas, assim como os empregos começam a faltar. Quem paga a conta dessa irresponsabilidade temerária? Os trabalhadores, é claro.

Enquanto a população trabalhadora carrega nos ombros o peso dos estragos que meia-dúzia de especuladores provocaram, os barões do capitalismo conseguem enxergar novas oportunidades de negócios em plena crise para aumentarem seus rendimentos. A desgraça de uns pode ser a oportunidade de outros. E por isso o capitalismo, apesar de tão venenoso para a economia de um país, ainda se mantém de pé com todas as crises que provoca. Pelo menos por enquanto.

Um pequeno exemplo atual nos bastará para ilustrar essa tendência.

A crise econômica de 2008 foi particularmente perversa com Portugal, um país que já atravessava problemas econômicos não era de hoje nem de ontem. A partir dessa avalanche na economia, com o baixo crescimento  que o impede de saldar os compromissos, Portugal foi obrigado a recorrer a um empréstimo de 78 bilhões de euros com juros não muito satisfatórios à troika*. A recessão afeta o setor mais vulnerável da população: os trabalhadores e aposentados. O desemprego faz a oferta de mão de obra do exército de reserva do capitalismo português aumentar, achatando os salários daqueles que conseguem um tão procurado emprego.

Mas diante de um quadro tão alarmante, Portugal nos apresenta um outro lado bastante inusitado: segundo o Relatório de Ultra Riqueza no mundo em 2013, Portugal, que tinha 785 ultramilionários com mais de 22 milhões de euros em 2012, conseguiu a proeza de aumentar o número desses felizardos em 85 membros neste ano, chegando a marca de 870 magnatas com mais de 20 milhões de euros cada um. Isso em plena recessão econômica...

Todos esses apatacados representam apenas 0,009 por cento da população portuguesa, mas concentram nas mãos o equivalente a 74 bilhões de euros – quase o mesmo valor que o país precisou pedir emprestado para salvar as contas da economia nacional. E esse fenômeno do aumento da concentração de riqueza é mundial, onde quer que o capitalismo tenha se instalado, seja com crise, seja sem crise.

Houve um tempo em que estes barões da riqueza podiam brincar de ganhar dinheiro impunemente, pois as pessoas estavam tão envolvidas com a crença no sistema capitalista, que podiam acreditar no sonho de que um dia chegaria a vez delas de poderem ter um iate ou uma cobertura num condomínio de luxo também. Mas nas últimas décadas, as pessoas comuns, os estudantes, os trabalhadores, os sindicalistas, aposentados, ou seja, aquelas que carregam de fato o país nas costas, estão cada vez mais abandonando as suas fantasias para combater a realidade do sistema que tem na sua essência o aprofundamento cruel da desigualdade. Seja nos Estados Unidos, na Grécia, nos países árabes, em Portugal e agora também no Brasil, o capitalismo tem vivido cada vez mais sob uma forte e crescente pressão das ruas. Aonde isto vai dar, é um dos episódios mais aguardados para os próximos capítulos da história ocidental.

* O termo troika é usado como referência às equipes constituídas por responsáveis da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional que negociaram as condições de resgate financeiro na Grécia, no Chipre, na Irlanda e em Portugal.





Comentários

  1. É preciso desconstruir essa política sem princípios, já no Brasil, à crise parece não surtir tal efeito devastador, afinal, além de ser um país auto-sustentável ainda tem os impostos que seguram todo o processo degenerativo que chama-se corrupção.

    ResponderExcluir
  2. “As pessoas mais atentas devem se perguntar a respeito da economia mundial em que estão inseridas: como um sistema – o capitalista – que desde a década de 70 do século XIX apresenta crises cada vez mais frequentes e devastadoras é capaz de se manter, mesmo provocando cada vez mais rejeição na população?” [Panorâmica Social]
    ▬▬▬▬▬▬▬
    No passado recente é porque se olhávamos para o USA achávamos que estava ruim, mas ao olharmos para a URSS estava bem pior.
    Poucas notícias vinham de trás da Cortina de Ferro, mas sabíamos de esperas absurdas para comprar um carro ou ter uma linha telefônica.
    Compras no mercado eram feitas com tickets do governo que compravam cada vez menos comida, tipo Venezuela atual.
    A queda do muro só fez confirmar as suspeitas dos mais esclarecidos.

    No entanto já no final da década de 90 o mundo voltou a flertar com o Comunismo/Socialismo, é uma visão muito romântica/bonita da vida, “um por todos e todos por um.”
    Acontece que nesse “todos” tem aqueles que querem depender do Governo para tudo e tem os que “sabem o que é melhor para todos” e se acham no direito de ficar no poder para sempre.
    Enquanto isso os trabalhadores e responsáveis tem que ficar sustentando esses dois grupos com impostos cada vez mais pesados e até expropriação dos bens.

    NO FINAL DAS CONTAS O CAPITALISMO É UMA TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA CLASSE TRABALHADORA.

    Agora com a democratização da informação trazida pela internet a tendência é os trabalhadores se unirem cada vez mais em torno de Governos eficientes que não gastem mais do que arrecadem e que combatam a corrupção e não a tornem um projeto de Governo

    ENTÃO TEMOS ESSE PROBLEMA DA CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
    Nesse momento para esse texto fazer sentido você tem que saber que concentrar renda é característica de todo sistema econômico que “eu” conheço.
    Em todos os impérios, monarquias, teocracias, nas mais diversas formas de administração sempre ocorreu concentração de renda.
    O que você vê em filmes sobre reis e rainhas cercados de camponeses pobres é bem real.

    Quer falar da Bíblia? Tudo bem.
    Qual a diferença de renda de um Rei Salomão e um camponês de Israel?
    Já falei que Jesus falava diretamente com Deus, transformava a matéria, sabia que morreria com 33 anos, não ficava doente, não constituiu família...logo para que dinheiro?
    Com tanto poder e sabendo que não iria usufruir qual a necessidade dele juntar capital? Jesus apenas viajou bastante.
    Quero dizer que no quesito econômico a vida de Jesus não serve como paralelo a nós “pobres mortais”.

    Você quer falar de Comunismo/Socialismo? Tudo bem.
    Quanto de dinheiro Fidel tem em relação aos médicos cubanos que vieram ao Brasil?
    Na China os chefões do Partido Comunista tem bilhões de dólares em paraíso fiscais, algo bem distante do camponês que colhe arroz.
    Depois da queda do muro de Berlin não me lembro de nenhuma república socialista onde a qualidade de vida do povo se aproximava da qualidade de vida de quem estava no poder.

    http://terapiadalogica.blogspot.com.br/2014/02/concentracao-de-renda.html
    _______________

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Saudações meu caro.
      Vejo necessidade de esclarecer algumas questões que você talvez esteja confundindo.

      "Poucas notícias vinham de trás da Cortina de Ferro, mas sabíamos de esperas absurdas para comprar um carro ou ter uma linha telefônica."

      Você não acha, no mínimo muito curioso, que ao mesmo tempo que se diz que existem muitas dificuldades de saber o que acontece atrás da Cortina de Ferro, as mídias ocidentais, burguesas, capitalistas por essência, por dependerem do investimento de empresas em publicidade, sempre tenham à mão notícias negativas como essas? Ora, como podem saber disso, se existe uma barreira de comunicação entre os comunistas e os capitalistas?

      Você não acha isso, no mínimo, suspeito?

      É a mesma situação, sem tirar nem por, por que passa a Coreia do Norte. Ao mesmo tempo que dizem que é um dos países mais fechados do planeta, sempre se tem "notícias" do país, como por exemplo aquela que dizia que o governante mandou todos os homens cortarem os cabelos como o dele. E você acredita nisso...

      "No entanto já no final da década de 90 o mundo voltou a flertar com o Comunismo/Socialismo, é uma visão muito romântica/bonita da vida, “um por todos e todos por um.”

      Aqui você está absolutamente enganado/mal informado. Mas muito mesmo.
      Depois da queda do muro, talvez você tenha idade de lembrar ou já tenha visto em imagens da internet, George Bush, o pai, que então presidia os Estados Unidos, foi ao Congresso estadunidense anunciar "A Nova Ordem Mundial" pós-União Soviética. Essa nova ordem nada mais era do que o Consenso de Washington, uma diretriz econômica chamada neoliberalismo, inaugurada nos anos 80 por Bush e Thatcher e que agora, sem a URSS como contraponto, deveria se espalhar livremente pelos países do mundo, no qual FHC se tornou o maior expoente no Brasil.
      Se você sabe o que significa neoliberalismo, como pode dizer que o mundo flertou com o comunismo??

      "Quanto de dinheiro Fidel tem em relação aos médicos cubanos que vieram ao Brasil?
      Na China os chefões do Partido Comunista tem bilhões de dólares em paraíso fiscais, algo bem distante do camponês que colhe arroz.


      Você tem fontes para comprovar essas acusações, fontes precisas, isentas, sem ser boataria de sites capitalistas de internet? Ou vai apenas repetir essa falácia do senso-comum burguês e fica por isso mesmo?
      Algum livro, alguma tese sobre isso?

      Sua tese da concentração de renda como algo natural é bem falha, porque simplesmente, não havia renda antes do capitalismo!.

      "Renda, segundo a economia clássica, é a remuneração dos fatores de produção: salários (remuneração do fator trabalho), aluguéis (remuneração do fator terra), juros e lucros (remuneração do capital).

      Esse é um termo moderno para definir uma questão já dentro do período capitalista.
      Se você estiver falando de desigualdade social, aí eu te compreendo, mas baseado em nascimento, não em renda. Se eram ricos ou pobres dependia da família em que nasciam, e não porque o sistema favorecia o enriquecimento de uns enquanto jogavam outros na miséria.

      Muito complicado opinar assim sem nenhuma base hein. Gostaria de lhe sugerir, para lhe dar um pouco mais de crédito, que quando soltasse teses no mínimo, "controversas" como essa, tenha uma referência, tipo "de acordo com fulano de tal em seu livro, cap. tal, página tal"... Senão meu amigo, fica difícil saber de onde você tira certas ideias...

      Grande abraço.



      Excluir
    2. Seria muito indicado também, você ler o post, comentar sobre pontos que talvez não tenha gostado, porque isso é muito mais importante do que pegar só o começo e adaptar uma reposta com uma postagem antiga do seu blog.

      Muitas vezes foge bastante, mas bastante mesmo, do assunto. E isso não é legal.

      Excluir
    3. Um correção. Na minha primeira resposta, onde se lê Bush e Thatcher na verdade é Reagan e Thatcher

      Excluir
  3. Marcos Célio Menezes de Araújo01/11/2015, 14:13

    Almir, excelente texto. Ontem, eu me encontrei com o Jorge Paiva, teórico do grupo Crisis de Fortaleza(ligado diretamente ao grupo Crisis da Alemanha). E lhe perguntei sobre a crise do capitalismo. Ele me disse que a crise é permanente e que o capitalismo está chegando ao seu fim. Ele me disse também que as fábricas precisam de cada vez menos operários, produzem mais e com margens de lucro cada vez menores.

    Em vista disto, ele me disse que os capitalistas estão investindo cada vez mais no mercado financeiro, cujas ganhos são cada vez maiores.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É muito bom saber que uma pessoa bastante gabaritada corrobora aquilo que a gente sente empiricamente: não existe solução para esse sistema.

      Cada vez que se investe no mercado financeiro, deixa-se de investir na produção, que é um ganho mais demorado e incerto.

      Nos cassinos das bolsas pode-se ficar rico da noite pro dia com a aposta certa; no entanto, quando acontece uma crise, vai tudo pro espaço, e a economia nacional vai junto.

      Não dá mais pra brincar com isso.

      Grande abraço e obrigado pela participação.

      Excluir

Postar um comentário

Faça seu comentário, sua crítica ou seu elogio abaixo. Sua participação é muito importante! Qualquer dúvida, leia nossos Termos de Uso

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Ainda sobre a metamorfose de Marcelo Freixo

A Reforma Política e a disputa em torno do governo

Mídia tira trunfo do PT, mas o partido revida com corrupção

Rio de Janeiro e Bonn: duas ex-capitais, dois destinos diferentes

O Holocausto como monopólio e trunfo dos sionistas.