O rei do camarote e os números da violência

 Violencia

Essa semana, dois fatos aparentemente isolados foram noticiados nas mídias brasileiras. Primeiro, em reportagem da revista Veja de São Paulo, conhecemos a vida fútil e ostentatória de um playboy paulistano conhecido como “Rei dos Camarotes”, ao mesmo tempo que tomamos ciência de números estarrecedores sobre a violência no nosso país. Para onde quer que se olhe, há estatísticas e mais estatísticas sobre o crescimento de diversas modalidades de atos violentos, neste que é paradoxalmente conhecido como o país da festa e da alegria – pelo menos para as elites ignorantes que vivem no luxo supérfluo.

Quase 50 mil homicídios em um ano

De acordo com dados publicados recentemente, 47.136 pessoas foram vítimas de homicídio doloso (quando há a intenção de matar) em 2012, um número exorbitante que excede todas as medidas de uma nação democrática e sem guerras. Isso dá uma média de 129 assassinatos por dia, salvo algum erro matemático de minha parte, o que não seria inesperado.

O dobro de estupros da Índia

Aí quando você pensa que nada pode ser pior do que isso, a mesma publicação relata que o número de estupros é ainda maior: 50.617 casos de estupro em 2012, o que equivale a 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes – um aumento de 18,17% em relação ao ano passado, quando a taxa foi de 22,1 por grupo de 100 mil. Isso se você levar em conta apenas os casos registrados oficialmente..

Só a título de comparação: a Índia é reconhecida como um dos países onde a incidência de estupros é uma realidade cotidiana alarmante. No entanto, segundo dados do governo indiano, em 2011 foram registrados 24.206 estupros, menos da metade dos casos no Brasil, que tem uma população 6 vezes menor...

Para fechar esse quadro de calamidades brasileiras, duas mil das vítimas de assassinato foram mortas pela polícia, que é a mais violenta do mundo. Nenhuma mata mais do que a nossa.

Como nos tornamos uma das nações mais violentas do mundo?

Não existe resposta fácil para esta pergunta. É claro que uma série de fatores convergiram no passado para que chegássemos a essa condição atual, fatos complexos que não cabem neste espaço. Mas se pudéssemos apresentar uma causa bastante segura como base para este estado de coisas, certamente seria a profunda desigualdade social brasileira – também ela uma das maiores do planeta – que nos fornece miseráveis de um lado, burgueses inúteis como o rei do camarote de outro e uma polícia que mata os primeiros para garantir a festa dos segundos.

 contraste social

Não é que a pobreza esteja automaticamente ligada à violência, como já explicamos aqui. Mas quando a ostentação, o luxo, a posse, o consumo, se tornam valores em si mesmos, uma meta a ser alcançada em detrimento de outros mais nobres, como a cooperação e a solidariedade, para que você seja reconhecido como alguém que mereça respeito e dignidade, então as pessoas fazem de tudo para conquistá-la. Como já foi explicado pelo psicanalista e professor de Medicina Social da UERJ, Benilton Bezerra Júnior,

Somente numa cultura que enaltece a posse do dinheiro e bens como expressão de sucesso, de uma vida digna de ser vivida, a pobreza tende a ser vivida como exprimindo o contrário. Num contexto como esse, a pobreza não implica apenas restrição material, mas, sobretudo, uma restrição simbólica [moral], e como tal precisa ser negada de qualquer forma, mesmo com o recurso à violência

Em sociedades capitalistas onde as elites se tornaram egoístas e guardaram apenas para si o acesso à educação e a grande parte dos bens materiais de um país, jogando milhões de pessoas na vida precária, a violência tende a ser uma realidade cotidiana.

Para que diminuam os casos de violência, não existem soluções mágicas, mas somente quando a distância colossal entre os mais ricos e o mais pobres for trazida para mais perto de um equilíbrio, é que se poderá pensar seriamente em diminuí-los. Enquanto isso, ainda teremos que conviver com números aterradores de violência junto com parasitas ostentadores das elites como “o rei do camarote” e suas lições de indignidade superficiais.





Comentários

  1. Parece que você, como é costume dos socialistas, quer justificar a violência social pela existência de tipos como "o rei do camarote". A razão para essa violência não é a ostentação dos ricos que, na condição de ricos, gastam o seu dinheiro da forma que bem entenderem, mas na falta de valores morais de um povo que valoriza mais o "ter" que o "ser". E claro, a mídia tem a sua parcela de culpa ao reforçar esses estereótipos.

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    1. "Mas quando a ostentação, o luxo, a posse, o consumo, se tornam valores em si mesmos, uma meta a ser alcançada em detrimento de outros mais nobres, como a cooperação e a solidariedade, para que você seja reconhecido como alguém que mereça respeito e dignidade, então as pessoas fazem de tudo para conquistá-la."

      Inclusive os ricos, cuja ostentação existe graças à ignorância e miséria dos pobres.

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    2. Renato Lopes, a questão não é bem como uma pessoa deva ou não gastar seu dinheiro. Também não se resume a um tipo como este ser culpado pelos problemas do país. A questão é mais profunda do que isso, tem a ver com as escolhas equivocadas que fizemos no passado, e que como eu disse, não caberiam analisar aqui.
      Mas de modo geral, como eu também me referi, é a desigualdade econômica sim que atua como fator determinante para a violência. Em sociedades onde existe um maior equilíbrio entre os mais ricos e os mais pobres, essa violência é muito menor.

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    3. A desigualdade econômica só é determinante para a violência quando da falta desses valores. O pobre que vive os princípios do cristianismo nunca vai recorrer a esse expediente. Famílias bem educadas moralmente vivem de forma digna mesmo na pobreza. E o que hoje se vê, não é a violência pela falta de um prato de comida, mas por motivos totalmente fúteis, como um par de tênis ou o celular da moda. Não vejo condição social como atenuante ao crime. E esses crimes são cometidos em grande parte por menores, que se aproveitam da sua condição perante a lei.

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    4. Renato Lopes, não sei se entendi bem... Você diz que o cristianismo impede as pessoas de recorrerem ao expediente da violência?
      Como então explicar que sejamos o maior país católico do planeta, com uma vertente de evangélicos (também cristãos) em vias de crescimento, ao mesmo tempo que somos uma nas nações mais violentas do mundo?
      Justamente como você disse, apesar de existir pessoas que ainda precisam recorrer ao crime para comer, a grande maioria da violência está relacionada com a necessidade de dignidade através do consumo. Relembrando as palavras do professor: "Num contexto como esse, a pobreza não implica apenas restrição material, mas, sobretudo, uma restrição simbólica [moral], e como tal precisa ser negada de qualquer forma, mesmo com o recurso à violência".

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    5. O verdadeiro cristianismo passa longe das igrejas de hoje. Padres artistas e pastores charlatães são os modelos que nos são apresentados. O materialismo tomou conta das igrejas.

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  2. Almir
    O cristianismo impede as pessoas de cometerem crimes quando elas têm convicção do que creem. Num país de "católicos não praticantes" e cristãos nominais, não é de se estranhar esses índices de violência. Soma-se a isso a péssima educação oferecida pelas escolas, porque "a verdadeira educação não é o conhecimento dos fatos, mas dos valores". A mídia hoje exerce maior influência sobre a população do que a escola ou a igreja. E essa influência quase sempre é ruim.
    Um abraço.

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    1. Sim, nesse ponto eu concordo com você: a mídia tomou conta da formação do brasileiro através da TV antes que se pudesse criar uma cultura de leitores no Brasil.
      Só acho que a resposta para a erradicação da violência não esteja nos valores religiosos.
      Grande abraço e obrigado pelas participações.

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