A indústria das cesarianas no Brasil

Por que o Brasil é o campeão de cesarianas no mundo? Essa questão voltou à baila hoje, com a notícia de que uma jovem de 29 anos, que pretendia ter parto normal, foi obrigada a fazer cesariana, sob alegação de que tanto ela quanto o bebê corriam riscos.

O caso aconteceu na cidade de Torres, a 193 quilômetros de Porto Alegre. Adelir Carmem Lemos de Goes, grávida de 42 semanas, chegou a fugir do hospital quando soube que os exames indicavam a necessidade da cirurgia. Seria a terceira vez que ela tentaria ter parto normal, e a terceira vez que a chance lhe seria negada.

Num caso extremo, a médica Andreia Castro então entrou em contato com o Ministério Público, que determinou que Adelir fosse buscada em casa para fazer a cesariana mesmo contra a vontade.

Cesariana deixou de ser exceção e virou regra

O caso suscita diversos tópicos polêmicos, como por exemplo, até que ponto existe o direito da mãe decidir pelo parto normal contrariando a recomendação médica, mas eu prefiro pegar um outro gancho: os médicos brasileiros andam recomendando cesarianas demais...

A doutora Andreia Castro, que examinou Adelir, disse que o bebê estava numa posição perigosa para o parto normal, que é uma das indicações para cesariana. Porém, tanto o marido quanto a doula de Adelir afirmam que lhe fizeram um ultrassom, mas não mostraram que o bebê estava realmente em posição arriscada para o parto normal.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o índice de cesarianas não deve ultrapassar a 15 por cento de todos os partos, só indicadas em casos de extremo risco de vida tanto para o bebê quanto para a mãe. Isso porque a própria cesariana proporciona um risco de morte seis vezes maior para ambos do que o parto natural. É o tipo de informação que muitas mães não têm ao optarem pelo parto cirúrgico por medo ou comodidade, com a conivência dos médicos. Por isso é preciso buscar respostas para o número tão elevado de taxas de cesarianas no país, que em vez de 15, pode chegar a 52 por cento atualmente (se formos considerar apenas as clínicas particulares esse número é ainda maior, podendo chegar a 80 por cento). Por que isso acontece?

Mercantilismo na medicina

Por conveniência. Não para a mãe, é claro, que sofre os riscos, mas para os médicos. As cesarianas agendadas não respeitam a cronologia natural do corpo, já que o trabalho de parto pode chegar nas horas mais inesperadas – e inconvenientes – além de poderem demorar até horas. Então é muito mais cômodo para o obstetra poder abrir a barriga num dia determinado e resolver o problema em alguns minutos, sem levar em conta todos os riscos e problemas que isso pode gerar para o futuro desenvolvimento da criança.

Outra questão é: o hospital recebe mais do plano de saúde por uma cesariana do que por um parto normal. Além do mais, um parto normal pode demorar 12 horas, tirando do médico a possibilidade de atender outros pacientes (pacientes = dinheiro), além de ocupar mais leitos por mais tempo. É assim que funciona a medicina sob a lógica mercantilista.

Segundo Ana Cristina Duarte, obstetriz, coordenadora do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA), a questão do pagamento por produtividade pesa:

Muitos plantões médicos são remunerados por produtividade, ou seja, se nascer no plantão, a grana vai para aquele plantão. Se não nascer antes de terminar o plantão, se passar para o plantão seguinte, quem ganha o valor do parto é a equipe do plantão seguinte. O médico que passou o dia ali aguardando o parto e resolveu não operar, não ganha nada.

Além disso influencia o que se chama “Limpeza de Plantão”:

Prática que ocorre em muitos hospitais, onde o obstetra opera todas as mulheres antes de terminar o plantão, para terminar o dia com tudo "limpo", sem mulheres em trabalho de parto para a equipe que assume em seguida. Também acontece muitas vezes perto das 23h-0h, para que a equipe possa ir dormir sem ser incomodada durante a noite.

Desde os anos 90 vem-se tentando criar medidas de conscientização para humanizar o processo de gravidez e parto no país, mas parece que os métodos não vêm sendo muito produtivos. Até hoje a desumanização do atendimento médico no Brasil é público e notório, por uma série de razões que precisam ser atacadas urgentemente pelo Ministério da Saúde. É inconcebível qualquer tipo de política pública de um país que deixe em segundo plano a questão da Saúde de seus cidadãos.

   Veja também: Famílias acusam médicos do SUS de cobrar até R$ 1,4 mil por cesárea




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