Brasil, um país preso às correntes do atraso


Stefan Sweig viveu no Brasil seu último ano de vida, exilado das perseguições aos judeus promovidas por Hitler na sua terra natal, a Alemanha. O pouco que conheceu do nosso país foi o suficiente para que escrevesse um livro e o nomeasse com um título que durante décadas tem sido evocado nas mais diversas circunstâncias: "Brasil, o país do futuro".

Naquela época, um misto de encanto com as belezas naturais, o potencial de um povo mestiço e uma indústria nacional que começava a decolar justificariam a profecia do judeu-alemão. No entanto, quase 80 anos depois do vaticínio otimista, o futuro ainda está distante no horizonte. O Brasil capenga nas suas próprias dificuldades. Nesse período, nações verdadeiramente atrasadas sócio-economicamente, especialmente na Ásia, saíram de uma condição miserável para atingir níveis elevados de IDH, de tecnologia e de indústria, deixando o gigante tupiniquim a ver navios.

O Brasil, carente de uma verdadeira elite na acepção da palavra — segundo o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, até temos ricos, mas não elites —  que sejam capazes de elaborar um projeto para este país, depende cada vez mais da exportação de commodities in natura para fechar suas contas. Como era na época do Brasil Colônia.




Dos dez principais produtos exportados pelo país até outubro do ano passado, sete eram agrícolas, como grãos de soja, açúcar bruto, café, etc.; dois eram matérias primas brutas, que são a fonte de diversos produtos industrializados que gerarão empregos lá fora: minério de ferro e petróleo bruto, e apenas um agregava alguma mão-de-obra especializada nacional (mais empregos no país), os automóveis, muito embora através de montadoras estrangeiras instaladas no país à custa de muita insenção fiscal.

Ao fim e ao cabo, é como se o Brasil ainda preferisse viver à reboque das grandes potências industriais como mero fornecedor agrícola, em vez de investir em pesquisa e desevolvimento, ciência e tecnologia para deselvolver a indústria nacional e colocá-la no patamar dos países ricos e desenvolvidos.

Mas não é apenas no setor de exportações que o Brasil parou ou retrocedeu. Em outras áreas, fica nítido o retrocesso por que passa o nosso país. Na cultura e entretenimento, por exemplo, lidamos com o fato de que pelo menos no Rio de Janeiro, 2/3 dos novos canais abertos da TV digital são religiosos. Gostaria de poder dizer que não tenho nada contra canais religiosos, mas não posso. Já seria inapropriado se houvessem mais canais de utilidade pública para equilibrar a balança, mas nem isso. Concessões públicas transformadas em meios de sectarismo fazem o já antigo princípio da laicidade do Estado parecer uma utopia no Brasil.

Já na principal emissora do país, a moda é reviver o passado através de remakes de programas de humor que fizeram sucesso há mais de 30 ou 40 anos. Isso pra não mencionar a estreia da décima-oitava edição do Big Brother nacional...

Assistir novas versões de Os Trapalhões e A Escolinha do Professor Raimundo me causa uma certa angústia, um tipo de mal-estar pelo humor inocente do passado que os puritanos adoram evocar para contrapor a uma suposta lascívia no humor atual, como se não houvesse a opção de um humor ao mesmo tempo que escrachado, porém inteligente. Coisa que o Monty Phyton da Inglaterra já fazia há décadas, já que a referência é mesmo o passado.

Na educação, a volta da moral e dos bons costumes através de uma imbecilidade conservadora chamada Escola Sem Partido evoca uma Guerra Santa nas escolas. Qualquer tipo de ensino mais progressista ou transformador é motivo de ataques dessa gente que faria a minha saudosa, carola e recatada avó parecer um fenômeno à frente do seu tempo.

O avanço das hostes conservadoras se dá também na política, quando um governo que tem como plano base um programa chamado Ponte para o Futuro aplica na política econômica um receituário fracassado dos anos 80, que já chegou atrasado no Brasil em meados dos anos 90, e que foi rechaçado pelo voto já havia quatro eleições. Ahh.. mas pra isso as elites, ou melhor, as classes ricas brasileiras, interessadas no arrocho dos mais pobres, foi recorrer a um artifício moderníssimo jamais visto no Brasil para burlar a interdição eleitoral ao plano econômico, chamado golpe.

O mesmo golpe que transformou a política no Brasil num jogo de trapaças e violências durante o século XX, um jogo que só vale enquanto determinados jogadores privilegiados estão ganhando. Quando o costumeiro perdedor ameaça mudar esse panorama, puxa-se o tapete, vira-se a mesa, mudam-se as regras do jogo... como em 1964. A diferença é que a virada de mesa dessa vez está mais sofisticada, com ares de legalidade jurídica. E assim o ex-presidente que ficou conhecido no mundo por erradicar a fome no Brasil em pleno século XXI, coisa que a maioria dos europeus conseguiu ainda no século XIX, senta no banco dos réus esta semana, para responder por acusações de corrupção.

Tá achando pouco? Então não esqueça de se vacinar contra a febre amarela, doença que há décadas era considerada sob controle, mas que ameaça causar surtos nas grandes cidades.

Mas nem tudo é só retrocesso nesse país. O renomado design conhecido por seus projetos futuristas Hans Donner sugeriu recentemente uma repaginada na bandeira nacional. Entre uma mudança ou outra sutil no tom das cores, está a inclusão da palavra "amor" no lema inscrito no lábaro estrelado. Nada demais, se Amor, Ordem e Progresso — "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim" — não tivesse origem na já anacrônica filosofia positivista do século XIX...





Comentários

  1. O problema é que grandes páginas brasileiras voltadas a conteúdo progressistas perdem tempo com superficialidades como julgamento do Lula ou o clipe de MC Zé das Couves que foi machista em vez de centralizar a divulgação nas estruturas profundas da sociedade brasileira, por que ela é desse jeito.
    O livro A Elite do Atraso é a melhor coisa já escrita por aqui nos últimos 50 anos. Seu conteúdo deveria estar sendo divulgado aos quatro ventos
    Mas não... povo prefere falar do programa Esquenta ou julgamento do Lula (o mais importante seria dizer por que esse julgamento está acontecendo)

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