A Ditadura Militar na raiz do desprezo pelos Direitos Humanos



Não vou perder o nosso tempo aqui explicando para as pessoas como elas estão absolutamente enganadas, quando criticam aqueles que se dispõem a defender os pontos determinados pelas Organizações da Nações Unidas sobre os direitos humanos. Muita gente já fez isso com muita competência, sem no entanto conseguir diminuir significativamente a onda de raiva e preconceitos, totalmente injustificados contra "os direitos humanos" tratados como um sujeito de tanto que as pessoas mal sabem do que se trata.

No entanto, quero discutir por que o brasileiro médio é dado a ser crédulo em todo tipo de falácia mal feita, que cola como uma verdade absoluta no seu cérebro a ponto de pessoas perderem totalmente a sensibilidade humana. Pra isso quero discutir alguns tópicos de forma resumida.

Nem é preciso ir assim tão longe no tempo. Na época da ditadura militar. Oficialmente ela não existe mais. Entretanto, é possível farejar a sua essência no ar, aquilo que permanece de um momento de sectarismo, autoritarismo, desprezo pela vida e pela democracia. Vinte e um anos de arbitrariedades e monopólio da verdade não podem ser varridas da noite para o dia, e seus fantasmas ainda nos rondam.

O pensamento conservador da sociedade cristã brasileira apoiou de forma escancarada durante muito tempo as perseguições, as torturas, os exílios forçados praticados pelas forças militares contra jovens universitários tidos como subversivos, bandidos e "comunistas" durante aquele período. Com o fim da Guerra Fria nos anos 80, a ditadura militar fazia pouco ou nenhum sentido, e as forças armadas perderam o seu alvo interno (já não tinham um externo devido à irrelevância política brasileira no cenário mundial naqueles tempos); os estadunidenses perderam os soviéticos no âmbito externo. Como seria então possível justificar a função policialesca das forças armadas e polícias militares? Procurando um novo alvo a que focar.

Os Estados Unidos encontraram logo em Saddam Hussein e nos "terroristas" muçulmanos o seu novo alvo predileto, e internamente aqui, a guerra contra as drogas passou a ocupar o lugar da perseguição aos subversivos da ordem.



Todo o aparato ideológico que serviu para justificar as desumanidades contra os comunistas agora serve para justificar a violência e os maus-tratos contra os traficantes, os criminosos e seja qual for os meliantes das classes pobres, negras e faveladas. Assim, incutiu-se na cabeça de muitos cidadãos de classe média, os mesmos que já estavam preparados mentalmente pois apoiavam o extermínio de subversivos na ditadura, que valia tudo contra esses novos criminosos, que eles não eram gente, e que por isso não mereciam ter direitos humanos.

Para esse indivíduo, não é fácil entender que os agentes públicos e os próprios cidadãos não podem se rebaixar e se igualar aos bandidos, oferecendo o mesmo tratamento desumano aos criminosos. Já foi estabelecido, em nome da civilização, com o intuito de afastar de nós o barbarismo, que qualquer ser humano, qualquer um que seja, deve ser punido por seus atos, sejam eles quais forem, dentro de um código de leis estabelecidas. Coisas como tortura, pauladas, pau de arara, telefone, e outras práticas execráveis de épocas arbitrárias devem ser abolidas, porque não cabem no estado democrático de direito. E essa proteção vale pra mim, pra Xuxa e vale pro Elias Maluco também. E é uma das coisas mais difíceis desses alienados da classe média brasileira entenderem. 

Isso porque a ditadura militar não só violentou no campo físico, mas também mental. Uma das maiores mazelas do militarismo é a impossibilidade de argumentar. Tanto ordens quanto ideias são dadas de cima pra baixo e incontestáveis aos subordinados — naquele momento, não só os militares de baixa patente como toda a sociedade brasileira. 

Uma geração inteira de brasileiros foi criada nessa incapacidade de pensar, apenas de absorver e aceitar o mundo dado por terceiros. As coisas são assim e pronto. Aquilo é pro nosso bem. Ame o Brasil ou deixe-o. Direitos humanos para humanos direitos. Bandido bom é bandido morto. São coisas que evoluíram de lá pra cá no aparato mental do brasileiro médio de forma automática, sem reflexão, sem crítica. Falácias reproduzidas como o tipo de comédia preferida desse mesmo tipo de brasileiro. Em vez das piadas inteligentes de um Monty Phyton, aqui predominou sempre a piada fácil de bordões estilo Escolinha do Professor Raimundo. 

Essas duas questões reunidas, tanto a nossa herança recente de um país autoritário e violento quanto a destruição do pensamento contestador nos faz estar neste momento com um déficit civilizatório em relação a outros seres humanos de outros países que chega a ser escandaloso. Para mudar esse panorama, o Brasil precisa enfrentar seus preconceitos, ser mais duro com quem comete violações dos direitos humanos, eleger um presidente disposto a enfrentar dois dos maiores aparatos das classes dominantes, as Forças Armadas e a mídia, de onde saem a maioria dessas falácias, para democratizá-las, enfrentar de vez o nosso passado autoritário e inaugurar um novo país, depurado desses ninhos com ovos de serpentes fascistas que ameaçam eclodir a qualquer momento.

Só assim o Brasil poderá entrar nos trilhos da civilização de novo.







Comentários

  1. Estão a dizer por aí que perigam guerras entre EUA/Otan e China/Russia.
    Nada mais distante da verdade.
    Todos esses países são dominados pelos 16 milhões de seres humanos que possuem mais de 1 milhão de dólares em investimentos financeiros. (0,2% da população mundial).
    O que vai acontecer daqui para frente é que eles irão usar estados falidos como os do Oriente Médio e África para fazer suas guerras e vender suas armas. Em vez de lutarem diretamente entre si ou indiretamente por motivos ideológicos como na Guerra Fria, vão lutar indiretamente na África e OM (que tem 1,5 bilhões de pessoas matáveis para o sistema) para ali usarem suas armas à vontade. Claro que esses conflitos podem se estender para outras regiões pobres como Sudeste da Ásia, norte da América do Sul e América Central, Ásia Central com a finalidade da produção e utilização de armas sem perigo para as potências militares do mundo.
    Já os exércitos nacionais de países semi-periféricos vão cada vez mais ser usados para conflitos internos, para controlar a massa de trabalhadores marginalizados, como ocorre nas favelas do Brasil.
    Mas conflitos diretos entre as potências militares não vão ocorrer.

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  2. Na verdade, mesmo dentro dos países centrais os exércitos vão ser usados para controle populacional, como nas "hoods" de Detroit e Chicago e na periferia de Paris.
    A questão é que, resumindo, vão usar páises miseráveis para serem palcos de uso indiscriminado de armas de grande poder de destruição enquanto nos países semi-periféricos e centrais usam os exércitos para controle dos marginalizados.

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  3. Por que o Capitalismo está em Crise.
    Existe trabalho produtivo e existe trabalho improdutivo. Indo mais longe, existe trabalho que gera valor para o capital e existe trabalho que apenas consome esse valor gerado. Geralmente, o trabalho que produz mercadorias é o chamado trabalho produtivo. Mercadorias, claro, não são apenas materiais, mas podem ser imateriais também. O canto de uma cantora pode ser uma mercadoria, mas nem sempre uma cantora que vende seu canto está produzindo mercadoria no sentido técnico de conteúdo material que pode fazer o invólucro imaterial do dinheiro fazer mais dinheiro.
    O que importa no capitalismo não é o objeto em si, o objeto material, o seu uso, e sim o valor imaterial, monetário, que se pode conseguir com esse objeto. Claro que os objetos têm de servir para algo caso contrário não serão vendidos. Para o consumidor, o que importa é o uso que ele vai dar ao objeto. Mas para o sistema em si o que importa é o valor que esse objeto vai gerar sobre o valor que foi investido em sua fabricação e em relação ao total de capital global. Não importa se a mercadoria é consumida assim que é produzida, como um canto num show, uma consulta médica de um convênio ou uma aula numa escola privada, ou se é tornada material e vendida após sua produção, como um filme. Para ser mercadoria equivalente a um trabalho produtivo, o resultado desse trabalho deve ser capaz de gerar valor e mais-valor, sendo o mais-valor o responsável por fazer o capital global se expandir. Programadores de softwares contratados por uma companhia geram uma mercadoria, mas só geram valor enquanto estão trabalhando na programação do software. Depois de programado, a geração de valor praticamente cessa, pois esse software é distribuído digitalmente hoje em dia. Se for distribuído de forma física, é a produção do CD no qual ele será gravado que gera o grosso do valor. Por exemplo, um professor que vende sua aula por conta própria é um trabalhador improdutivo. Mas, o mesmo professor torna-se um trabalhador produtivo no caso de um capitalista o contratar para ganhar dinheiro com sua aula, pois gera valor capaz de expandir o capital.
    Contudo, o valor gerado pelo trabalhador liberal é insignificante para o sistema. O grosso do valor é gerado na produção de mercadorias em alta escala. É trabalho de operário que gera o grosso do valor e do mais-valor. E se esse trabalhador está sendo substituído por máquinas, então pouco importa se novos trabalhos improdutivos serão criados na esfera da circulação ou se trabalhos liberais na esfera de serviços capazes de criar mercadorias serão expandidos. A taxa de lucro, a expressão indireta do mais-valor, irá cair continuamente, gerando graves problemas para o próprio sistema.

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  4. Desde a década de 60, com a criação e expansão contínua das automações analógica e digital na indústria, o lucro global vem diminuindo continuamente face aos custos gerais improdutivos da reprodução social. Em países de alta produtividade como EUA, Japão e Alemanha esse processo pode ser mais lento, pois eles “roubam” o valor criado em países de menor produtividade, como Brasil, China e Espanha. Sim, no capitalismo, quanto menos valor uma empresa cria, ou seja, quanto menos trabalhadores humanos existem nessa empresa, mais capacidade de roubar valor produzido em outras empresas ela tem. Ou seja, alta produtividade e alta tecnologia não criam mais valor e sim menos valor. Mas roubam o valor criado pela baixa produtividade.

    Isso significa que não importa que se criem empregos na área de serviços, principalmente os não produtivos. A criação de valor em grande escala acontece basicamente na indústria e nela os trabalhadores estão sendo expulsos. Até na China isso vem ocorrendo. Isso significa menos valor para ser dividido entre as pessoas, patrões, empregados, burocratas, etc. Isso significa menos lucros, e com menos lucros, menos investimentos por parte dos capitalistas.
    Eles passam a usar seus capitais para brincar de jogo de cassino na bolsa de valores. E isso faz com que a vida da maioria da humanidade se torne cada vez mais precária e sofrida.

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