Lula não define seu herdeiro eleitoral e dificulda a vida das esquerdas em outubro



A crise política que toma conta do país polarizou o debate e tirou do armário uma facção protofascista disposta a sabotar todas as regras para apagar do mapa tanto o PT quanto suas conquistas sociais no poder. Isso exigiu a reorganização das esquerdas para o enfrentamento da onda reacionária que coloca o Brasil numa estrada sem rumo, com o horizonte repleto de possibilidades nada otimistas.

O primeiro grande movimento de união das esquerdas foi dado recentemente no Rio, com manifestações em apoio a Lula, em defesa de sua candidatura, da democracia e da Constituição. Estavam presentes representantes de diversos partidos, desde o PCO até o PCB, demonstrando a intenção de um alinhamento de forças contra as iminentes ameaças às instituições democráticas.

Com a negação pelo Supremo Tribunal Federal do Habeas Corpus, o juiz Sérgio Moro não perdeu tempo, nem esperou esgotarem-se os recursos e decretou a imediata prisão de Lula.

Antes de se entregar, porém, numa estratégia que muitos consideraram um gol de placa, Lula fez comício no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde defendeu o seu legado, acusou a justiça e disse que vai cumprir o mandado de prisão, para a contrariedade de muitos militantes presentes.

Com a quase certa impossibilidade de candidatura, barrado pela lei da Ficha Limpa que o próprio Lula ajudou a sancionar, muitas questões sobre a eleição de outubro ficaram em aberto para a estratégia das esquerdas. Para essas indefinições, Lula acabou contribuindo bastante.

Desde as primeiras manifestações em apoio a Lula, dois candidatos a presidente por partidos de esquerda se destacaram: Manuela D'Ávila do PCdoB e Guilherme Boulos, do PSOL. Os jovens candidatos estiveram sempre ao lado do ex-presidente nestes momentos difíceis, defendendo seu direito de um julgamento justo e da possibilidade de se candidatar em outubro. E por que não dizer, disputam os ricos espólios eleitorais daquele que até agora lidera em todas as pesquisas de intenção de voto, caso o mesmo seja realmente impedido de concorrer.

O problema é que ambos partem de intenções de voto muito baixas, dificultando a chegada ao segundo turno. Uma estratégia possível para que as esquerdas pudessem emplacar pelo menos um dos candidatos na outra fase eleitoral era Lula definir claramente para quem seus eleitores devem direcionar o voto para presidente. Isso Lula não fez, pegou cada um dos dois candidatos por uma mão e deixou em aberto o apoio em ambos. Disse, nas entrelinhas, que os dois o representam. Infelizmente, as pessoas só podem votar uma vez na urna eletrônica.

Sem uma definição clara, sem um apoio oficial e declarado em um dos dois candidatos, é muito provável que nenhum deles chegue ao segundo turno. De que valeu tanto esforço, especialmente de Boulos, se o presidente incapacitado de se candidatar prefere ver seus votos se fragmentarem entre diversos outros beneficiados, tendo aí Marina e Ciro também, do que dizer claramente a seu eleitorado fiel que direcione seus votos em um candidato específico? Manuela D'Ávila é mais próxima do presidente por conta dos anos em que o PCdoB foi da base dos governos petistas, mas a própria já declarou anteriormente que sua candidatura visa apenas ajudar seu partido a eleger mais deputados, por conta da nova cláusula de barreiras. Colar sua imagem a Lula nesse caso pode ajudar a eleger deputados com votos petistas, mas o mesmo acontecerá com Boulos do PSOL?

O candidato que coordena o MTST concorrerá por uma legenda que contou durante todo esse tempo com a antipatia dos simpatizantes de Lula, por conta das duras — e justas — críticas ao seu governo. Será que apenas repetindo a estratégia de Manuela, sem ter o apoio oficial de Lula, ele conseguirá tirar proveito desse apoio?

Parece que Lula escolheu não se comprometer. A esquerda está unida mas por um fio. Talvez o apoio a um signifique a deserção automática do outro. Isso sem contar que Lula pode estar querendo apenas tirar proveito dos dois, tendo Fernando Haddad na manga para seu lugar — e seus votos.

Esta eleição de outubro não promete um bom panorama para as esquerdas brasileiras. E Lula tem uma parcela de responsabilidade nisso.




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