Totalitário é o capitalismo

Quando se fala de totalitarismo, todo mundo tem na ponta da língua os Estados e líderes políticos que seriam partidários deste regime. Está nos livros, nos portais de internet, nas mídias de forma geral. "Governo totalitário da Coreia do Norte proíbe calça jeans"; "Stalin foi o líder totalitário da União Soviética". 

Mas quantas vezes ouvimos falar do totalitarismo capitalista

O capitalismo deixou de ser, há muito tempo, um mero sistema econômico e passou a penetrar em todas as esferas da vida. É impossível falar de qualquer coisa deste mundo sem que ela tenha um valor, um preço, um mercado, sem que seja uma commoditie pronta a ter sua cotação negociada na Bolsa de Nova Iorque. Até a água. Falta pouco para que consigam enquadrar o oxigênio como produto a ser negociado. 

O primeiro passo é torná-lo escasso. Não duvidem que estamos nesse processo. 

O capitalismo corrompeu a humanidade. O dinheiro, que foi concebido como facilitador das trocas comerciais, virou a razão de viver de um planeta totalmente mercantilizado. Ter capital na forma mais simples do papel-moeda representa a diferença entre a vida e a morte. Ter muito capital, por sua vez, define quem manda, quem tem poder. Provocou o egoísmo, uma corrida em que o lucro e a acumulação possibilitaram a exploração de meios de produção, e com eles, de outros seres humanos.

Durante um certo período, na fase em que o capitalismo comercial começava a moldar e acentuar as desigualdades sociais, a Igreja Católica ainda tentou se opor à chamada usura, excomungando aqueles que tinham no lucro exacerbado a fonte da sua riqueza. Mas a burguesia, em vez de seguir as determinações da Igreja, fundou suas próprias Igrejas, chamando-as de protestantes, em que ficar rico não era mais pecado — pelo contrário, era um sinal de que deus tinha abençoado aquele homem de negócios. E assim se foi embora o exemplo do Jesus Cristo pobre, andando no meio dos necessitados, condenando os ricos e atacando o comércio no Templo. Jesus virou um enfeite pendurado na parede, simbolicamente crucificado — se antes, pelos romanos, agora por aqueles que o sequestraram e deturparam sua mensagem. 

Hoje o capitalismo reina absoluto. Totalitário. As escolas não ensinam; preparam para o mercado de trabalho. Isso quando muito. Quem não se enquadra, fracassa. É deixado pra trás com a marca da incompetência em prosperar na selva competitiva. Só os campeões da perseverança acumulativa do passado tiveram vantagem e puderam legar sua herança aos seus, que hoje dominam o cenário, com seus privilégios, que serão por sua vez repassados para seus filhos e netos. 

A nós, a quem tudo foi tirado, inclusive as leis de proteção contra o capital explorador do trabalho, duramente conquistadas, só restou a ilusão. 

O capitalismo domina até as nossas esperanças. Queremos ser os novos ricos. Afinal, nos dizem que trabalhando duro, podemos chegar lá. Dizem que foi assim que os ricos ficaram ricos. Se eles já eram filhos de ricos, netos de ricos, se estudaram nas melhores escolas, se tiveram um emprego garantido na empresa da família, se casaram com algum filho ou filha de outro milionário do seu restrito círculo de convívio social, mantendo o legado da família através das gerações mais bem resguardado do que a nobreza no passado foi capaz, isso é detalhe.

Talvez eu não fique rico. Afinal, o talento não é pra todos. Mas se eu ficar ali, na classe-média, com a cabeça pra fora d'água, vou lutar para manter os meus parcos privilégios de classe frente à massa de trabalhadores pobres. Posso não ser o dono dos meios de produção e nem explorar a mão de obra alheia, mas minha formação como profissional liberal na área médica, da engenharia ou da advocacia me distinguirá das massas pelo meu padrão de consumo razoável. Com algum esforço, investindo certo, seja em imóveis ou alguns papéis da dívida pública com juros pornográficos, talvez meus filhos e netos consigam até viver de renda. 

A não ser que venha um governo que diga que o capitalismo ainda não é totalitário o suficiente. Uma vez, um desses políticos já falecido que a esquerda idolatrava dizia de forma irônica que ele adorava a propriedade privada. Gostava tanto, que queria pra todos

E se me aparece um candidato dizendo que quer capitalismo para todos, inclusive para os milhões de excluídos do consumo, da cidadania e dos menores dos direitos? 

Ainda bem que não é assim que funciona. O capitalismo só faz sentido se for concentrador de riqueza, e não distribuidor. Só faz sentido se der conforto e privilégios para uns, enquanto para outros apenas a ilusão de que eles podem chegar lá, e que se não chegaram, a culpa é deles. O capitalismo é totalitário, mas suas benesses são para poucos

Faz sentido. Se os recursos do planeta são limitados, para que apenas uma pequena parte possa usufrui-los plenamente, só pode ser às custas dos outros tantos que não podem. Mesmo que seja através dos braços deles que os recursos virem riquezas. Desde que o capitalismo inventou o salário, não precisamos nos preocupar. A mais-valia nos garante a transferência de riqueza.

Mas e se um dia o povo de um país se revoltar contra este sistema injusto, ir para as ruas, derrubar o governo burguês, implementar um novo regime, distribuir as terras dos latifundiários e as riquezas dos capitalistas para os trabalhadores? 

Aí a imprensa, os livros, as mídias, já tem um epíteto pronto para se referir a ele: regime totalitário.





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