Ainda sobre a metamorfose de Marcelo Freixo

 

Fonte: twitter.com

No vídeo anterior, postado aqui neste blog (A metamorfose de Marcelo Freixo...), comentei sobre a metamorfose sofrida na imagem política de Marcelo Freixo, candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro nestas eleições.  

Argumentei que há uma clara barreira para candidatos identificados com o espectro político mais à esquerda da cena partidária, fazendo com que muitos candidatos, a exemplo do próprio Marcelo Freixo — e Lula, antes dele — optassem por abandonar certas posturas consideradas mais "radicais".

Restou dizer se esse limite imposto aos candidatos de esquerda vem do suposto natural conservadorismo do povo brasileiro, ou é uma estratégia que parte dos próprios políticos na busca de apaziguar não o eleitor, mas o chamado "mercado". 

Vamos primeiro, relembrar como Lula foi eleito em 2002, depois de perder as três eleições presidenciais anteriores. 

Estelionato eleitoral

Em algum ponto em meados dos anos 90 e começo dos anos 2000, o PT resolveu mudar sua estratégia político-eleitoral. Os caciques e analistas do partido identificaram que o eleitorado brasileiro que votava fielmente no PT alcançava uma média constante de 30 por cento dos votos a cada eleição — insuficiente, é verdade, para alcançar o patamar necessário que levasse Lula à presidência. 

Foi nesse contexto que surgiu a estratégia do famoso "Lulinha paz e amor", uma tentativa de amenizar a imagem do candidato, tida como hostil perante os eleitores mais conservadores. Deu certo. Lula furou a bolha e angariou eleitores fora da sua margem de votação tradicional.

Mas foi por isso que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, superando sua média de votos e vencendo assim o candidato tucano Fernando Henrique Cardoso? 

As propostas de Lula em 2002 já eram bastante avançadas e progressistas, como haviam sido em 89, 94 e 98, sempre em segundo lugar, à frente de tradicionais candidatos da direita. Sugeria, por exemplo, superar o rígido controle da inflação e dos gastos, chamados da época de "âncora fiscal" — assim como hoje tal controle foi colocado na lei e conhecido como teto de gastos. O eleitor gostou. O mercado, não.

Era exatamente o que o eleitor esperava ouvir naquela ocasião. Assim como hoje, quando Lula pode defender o fim do teto de gastos sem causar grandes comoções na população. De fato, grande parte das pessoas percebe que essa medida restringiu o crescimento econômico, a criação de empregos e aumentou a carestia, com o congelamento do salário mínimo. 

No entanto, assim que eleito, Lula lança uma surpreendente "Carta aos brasileiros". Nela, anuncia um claro recuo nas intenções mais antipáticas ao capitalismo, passando a sustentar total obediência à cartilha do mercado, aquilo que dá base ao capitalismo neoliberal brasileiro: se de fato não se ateve rigidamente ao teto de gastos, tampouco despeitou os pressupostos quase religiosos do capitalismo financeiro, o chamado tripé macro-econômico

Além disso, vencidas as eleições, fez a escolha de despolitizar os seus eleitores — em sua maioria, das camadas mais pobres da sociedade — fato que custou ao Brasil o golpe parlamentar desferido sem maiores consequências, em virtude da passividade com que, já no governo Dilma, passados mais de 13 anos de conformismo e ascensão social pela via do consumo, o povo não se sentiu persuadido defender suas conquistas nas ruas, abstendo-se de pressionar os golpistas do Congresso Nacional. 

Não podemos confundir a passividade de 2016 com o contexto da eleição de Lula em 2002. Naquela época, bastava ao PT buscar fazer o que fez, por exemplo, Hugo Chávez na Venezuela, que educou e mobilizou as massas que mais tarde iriam reverter o golpe que a burguesia local tentou desferir em seu governo. 

Apesar dessas lições da história, Marcelo Freixo optou por dar uma repaginada na sua figura pública, tornando-se uma espécie de "Freixinho-paz-e-amor". 

Num cenário em que o Estado do Rio de Janeiro conta com cinco dos seus últimos governadores condenados ou presos, todos eles de viés conservador, liberal ou simplesmente de direita (dependendo do ângulo que desejamos analisar), Marcelo Freixo abre mão daquilo que marcadamente sempre o diferenciou, para se tornar mais um dentre tantos desse espectro político. Assim, abriu mão de bandeiras caras da sua jornada, tendo que se explicar constantemente sobre essa guinada para a direita. 

Há, pelo menos, sinais de que essa mudança o tenha favorecido de alguma forma? Evidentemente que não. 

Neste momento está a 10 pontos percentuais de distância do nefando Cláudio Castro, um governador insignificante, saído da obscuridade para um mandato tampão pela cassação de Wilson Witzel, de quem era vice. 

Sua condição pode mudar no segundo turno, na carona de um grande esforço que Lula — atualmente mais identificado com a esquerda não por méritos próprios, mas por mero contraste com a figura extrema de Bolsonaro — poderá fazer em seu benefício. Ou seja, o eleitor de esquerda poderá consertar o erro de estratégia que Freixo escolheu para a sua imagem e sua campanha, votando no candidato do PSB apesar de César Maia, Sarney, Armínio Fraga e Alberto Pinheiro Neto, ex-comandando do BOPE (!). 

Desta forma, fica a equação sempre desfavorável: se perder, o que é provável, Freixo terá em vão jogado fora sua biografia; se ganhar, não será uma vitória da esquerda, dados seus inúmeros compromissos com o que há de mais atrasado na política fluminense. 

Como único mérito o fato de ter feito sua metamorfose antes das eleições. Ou seja, quem votar no Freixo não poderá acusá-lo de estelionato eleitoral. 





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