Por que a pequena corrupção do dia a dia não justifica a grande corrupção política

corrupção política

 A pequena corrupção do dia a dia não é a base para a grande corrupção política

Esta é, sem sombra de dúvidas, a temática mais em voga na política nacional: corrupção. Aliás, não é de hoje que a mídia trata do tema com uma certa persistência, sem, no entanto, apontar claramente os caminhos possíveis para amenizar esse problema. Talvez porque seja conveniente tratar a corrupção superficialmente, como forma de jogar uma cortina de fumaça em nossas visões, para que não enxerguemos outras questões mais profundas e dramáticas da sociedade brasileira, como a desigualdade social, ou a sonegação de impostos dos ricos, como alegamos aqui em “Corrupção como distração de problemas maiores”. 

Além disso, a mídia nacional, bem como a própria Justiça, têm o hábito estranho de tratar casos de grande corrupção política no Brasil com pesos diferentes, dependendo se o político ou o partido em questão são de sua predileção ou não. Só isso pode explicar o fato de alguns notórios bandidos terem estado envolvidos em dezenas de casos escandalosos desde 1994, pelo menos, e ainda assim contarem com o beneplácito desses órgãos — privilégio que o PT, por exemplo, nem de longe, desfruta. 

Mas a questão mais complexa diz respeito à ideia, que circula em forma de crítica acusatória a todos nós, de que a corrupção está enraizada no nosso dia a dia, nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, o que acaba funcionando como justificativa para amenizar a grande corrupção política, ao alegar que nossos políticos seriam apenas o reflexo de nossa própria sociedade corrupta por natureza

Mas, no meu modo de entender, isso é bastante equivocado.

Primeiro, porque a pequena corrupção do dia a dia é realmente uma característica inerente a muitas sociedades pelo mundo afora, sejam elas avançadas ou em processo de desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Não existe uma única sociedade em que não seja costume tentar se safar de alguma punição ou tirar alguma vantagem com propina. Porque a corrupção é a consequência natural do próprio capitalismo. Mas apesar disso, muitos desses países não apresentam um grande quadro alarmante de corrupção nas altas esferas políticas. Isso quer dizer que a pequena corrupção não leva automaticamente à grande corrupção. 



E segundo, ao contrário do que alegam pensadores como Leandro Karnal, os políticos não saem do meio da nossa sociedade, eles saem de uma determinada fração dessa sociedade, a alta burguesia e as classes dominantes, já viciadas, por natureza, em esquemas sofisticadíssimos de sonegação e corrupção que o cidadão comum está longe de conhecer ou participar. É esse know-how que esta determinada fração da sociedade leva para a política.  Não representa o todo da sociedade brasileira. 

O que há de diferente em outros países corruptos é o rigor da legislação proporcional ao tamanho da corrupção para dar conta dos casos descobertos, e a questão cultural da vergonha que a descoberta do crime causa no corrupto. E nisso, é verdade, estamos um pouco defasados. Somo um país em que políticos do alto escalão são constantemente acusados dos mais diversos crimes graves, e não de furar fila no banco ou ter "gatonet". Continuam exercendo seus cargos sem o menor pudor (e sem a menor punição). A impunidade contra a grande corrupção, geralmente praticada por ricos (não por pobres, basta olhar o perfil dos detentos nas cadeias) é a nossa maior fonte de problemas. 

Não é possível comparar o pequeno delito de um cidadão que aceita pagar 10 Reais do “cafezinho do guarda” para não ter seu carro rebocado – ou o próprio guarda que aceita o suborno – com o tipo de grande corrupção sofisticada praticado nas altas esferas do poder nacional. Os governantes envolvidos na direção do país tem alta responsabilidade e obrigação de ter uma conduta exemplar, ser cobrados de acordo com tal dever. Desviar milhões de uma área como a saúde ou a educação pra fazer caixa de campanha, ou aceitar propina de corporações capitalistas para reduzir as exigências de fiscalização em tal produto que pode fazer mal à população, por exemplo, têm consequências desastrosas a longo prazo, afetando, às vezes, a vida de milhões de pessoas. Exige um grau de conhecimento complexo do crime, e não tem nada a ver com o cidadão comum que quer apenas se safar de um inconveniente. Não é possível alegar que a corrupção do dia a dia, lamentável mas inofensiva, esteja na base desses grandes crimes contra o bem comum. Ambas são de naturezas bem distintas.  

Portanto, se a corrupção é um problema que realmente está no seio da nossa sociedade capitalista — como está em todas as outras —, isso não justifica de modo algum que a classe política brasileira pratique tais atos na esfera governamental, com danos muito maiores, para enriquecer às custas do cargo que ocupa

Uma mudança de mentalidade tem que prevalecer no país. Primeiro, colocar o assunto na escala correta, de caráter grave, mas abaixo de outras questões mais decisivas, como as que mencionamos antes (desigualdade social, sonegação de impostos, falta de educação escolar de qualidade, etc.). E depois, que a grande corrupção política cause vergonha nacional em certos deputados, senadores e governantes, o que talvez seja um bom começo. O outro passo é acabar com a desgraça da impunidade para ricos e políticos (e políticos ricos). E assim vamos nos equiparar às outras nações em que a corrupção existe, mas é administrável com punições exemplares de acordo com a gravidade do caso.





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