As responsabilidades do Estado que as pessoas preferem não ver

Ainda repercutindo o Caso Adrielly, desta vez por uma outra perspectiva, percebemos que não foram poucas as pessoas que se colocaram ao lado do médico Adão Orlando Crespo Gonçalves, que usou como desculpa para seus 5 anos de ausências aos plantões médicos a falta de condições de trabalho. Para estas pessoas, ficou muito claro identificar no Estado um dos maiores culpados pela morte da menina, senão o maior.

O problema é que geralmente estas mesmas pessoas não têm a mesma facilidade de identificar as responsabilidades do Estado em outras questões do nosso dia-a-dia, culpando indivíduos e propondo soluções radicais contra eles em vez de cobrar, principalmente, as responsabilidades da instituição que governa a nossa sociedade. Uma dessas situações é com relação aos traficantes e usuários de drogas das áreas mais pobres da cidade. É muito comum à sociedade de modo geral propor o aumento do rigor contra estas pessoas e até a diminuição da maioridade penal como solução, fechando os olhos para a violência policial que muitas vezes resulta em mortes de inocentes e alegando inclusive que Direitos Humanos foram feitos para “proteger bandidos”.

Essa não me parece uma atitude coerente. Quem afirma isso, ignora, conscientemente ou não, todo o processo histórico de abandono, descaso e desrespeito do Estado com as populações negras e pobres das áreas carentes. Para estes defensores do maior rigor penal, parece que as pessoas que enveredam pelos caminhos da marginalidade sempre tiveram as maiores oportunidades do mundo, toda a estrutura a seu dispor, como educação de qualidade, emprego formal, Saúde eficiente, e que por alguma espécie de índole má inerente a um certo grupo social ou quem sabe até a um gene da criminalidade, resolveram jogar fora todas as chances que a vida lhes deu. Sabemos que não é bem assim...

O Estado falha cotidianamente com estas pessoas desde o momento em que nascem, e no instante em que, não por falta de inúmeras razões, caem nas tentações da criminalidade que estão bem na sua porta, como as facilidades do tráfico e consumo de drogas, aí sim, passam a ser motivo de atenção e preocupação da sociedade, mas jamais com solidariedade. E tome polícia, e tome cadeia, e tome porrada, e tome extermínio...

A sociedade faz bem em enxergar a culpa do Estado com relação à morte da menina que precisou de atendimento médico e morreu no hospital. Mas por que não mudar um pouco a mentalidade e começar a enxergar as outras omissões e responsabilidades mais sutis que cabem aos governantes lá na ponta inicial, em vez de proporem medidas fascistas contra quem cai na marginalidade, como o fim do auxílio reclusão, o aumento do aparato policial nas comunidades carentes e a diminuição da maioridade penal lá na ponta final? Já seria um grande passo para a verdadeira solução destes problemas e para o fim de soluções inócuas.





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