De que lado está o governo no conflito de terras
Recentemente foram divulgados números estarrecedores da violência no Brasil, com dados que nos colocam no topo da lista internacional. Também, não era de se espantar: nosso país é um dos mais desiguais do planeta, e convenientemente nossas classes dominantes tentam esconder esse fato criminalizando a pobreza e propondo, paradoxalmente, medidas autoritárias e violentas para diminuir a violência. Mais fácil do que atacar a raiz da questão, ou seja, acabar com a desigualdade, é colocar a polícia para matar os insatisfeitos.
Um desses privilégios históricos e fonte de quase todos os nossos problemas nacionais é a concentração de terras. Não por acaso, o campo é o cenário de alguns dos maiores, mais longos e mais violentos conflitos, onde coronéis e senhores de terras usam de sua influência política para mandar policiais ou jagunços armados matarem, sem cerimônia, indígenas e ativistas rurais que lutam pelo direito a terras. Ainda por cima também é fonte indireta da violência nas grandes cidades, porque grande parte dos camponeses sem terra que não conseguem ter a sua propriedade vão para as grandes áreas urbanas sofrer para morar e viver.
A Região Norte do país tem sido a zona de conflito mais perigosa, por conta da fome de terras do agronegócio, que invade áreas protegidas e reservas indígenas. O Pará é um desses locais, pois se localiza na fronteira entre os latifúndios e as áreas ainda inexploradas das florestas amazônicas.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de todas as mortes no país causadas por conflitos de terras nos últimos 10 anos, 40,65% aconteceram justamente naquele Estado. Eis outros números sobre os conflitos no campo neste período:
Os dados revelam que, em média, 30 pessoas morrem todos os anos no país por conta dos conflitos de terras, mas o número de pessoas envolvidas é muito maior. Somente no ano passado, 435 mil pessoas sofreram algum tipo de transtorno por conta da luta pelo direito à terra: vítimas de violência, prisões, abusos, ameaças de morte, expulsões, e outras intimidações.
Além dos ativistas por direitos a terras, há outros números absurdos com relação a ambientalistas que se intrometem no caminho dos latifundiários brasileiros: dos 908 assassinatos de ativistas ambientais que ocorreram no mundo, nada menos que 448 foram no Brasil.
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As razões para este histórico conflito perdurar atualmente são o modelo brasileiro de desenvolvimento no campo que privilegia o agronegócio e sua eterna monocultura exportadora que demanda mais e mais terras. Além disso, os movimentos sociais ligados ao campo denunciam a falta de vontade política do governo para a efetiva Reforma Agrária. Participante da Mesa de Controvérsias realizada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), evento que ocorreu nos dias 4 e 5 de novembro, em Brasília, Gilmar Mauro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST –, afirma que não há intenção do governo de promover Reforma Agrária para combater a política de concentração fundiária. “A Reforma agrária não foi feita porque não houve interesse político”. Para Mauro, os índices da regularização de terras divulgados pelo governo federal estão inflados e não correspondem à realidade.
A violência brasileira parece institucionalizada a ponto de não chocar mais ninguém. Enquanto houver pessoas interessadas em lutar por seus direitos roubados, pela justiça social, pela diminuição das desigualdades e por uma maior distribuição da riqueza nacional, ainda haverá aqueles que, por outro lado, recorrerão à violência como meio de defender seus históricos privilégios. Está na hora do governo federal tomar partido e decidir de que lado ele está nesse conflito. Largar um pouco Kátia Abreu e a bancada ruralista e olhar um pouco mais para os movimentos sociais. Há vidas sendo ceifadas nesse processo.
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