A responsabilidade do PT no crescimento do conservadorismo no Brasil

Em 2002, eu votei em Lula. Não era e nunca fui petista (na ocasião meus votos eram sempre para o PDT de Brizola), mas sentia que, naquele momento, algo histórico estava prestes a acontecer. Um partido de esquerda subiria ao poder máximo no país. Pra mim foi uma alegria a emblemática cena do Lula subindo a rampa do Planalto pela primeira vez, para receber a faixa presidencial. Ignorei os avisos do próprio Brizola, de que o PT era a UDN de macacão, e aí, logo depois veio a primeira decepção, a primeira de muitas que viriam a detonar todas as esperanças de milhões de brasileiros – mais precisamente, 50 milhões de brasileiros que naquela eleição disseram não ao neoliberalismo.

Recado aos vencidos

Lula divulgou a famigerada Carta aos Brasileiros, que bem podia ser chamada de Carta aos Banqueiros, que o jornalista Paulo Henrique Amorim denunciou que fora escrita por Antonio Palocci com a supervisão de ninguém menos que... do filho do Roberto Marinho! Isso mesmo. Nessa carta, procurava tranquilizar os mercados, afirmando que a ortodoxia neoliberal não ia ser mexida em sua essência. Juros altos e inflação controlada iriam continuar garantindo o lucro dos rentistas e do mercado financeiro.

Quero ser igual a você

Logo a seguir, em 2005, o PT mostrou que já não merecia mesmo a nossa confiança. Tal qual um novato apenas tolerado em um círculo onde era absolutamente indesejado – os círculos das altas esferas do Poder – achou que poderia lançar mão das mesmas práticas adotadas pelo seu antecessor, o PSDB e o famigerado mensalão, sem que a mídia ou o bloco conservador usassem isso como arma política. Ledo engano. Depois de um julgamento transformado em espetáculo pela imprensa burguesa, diversos dirigentes do partido foram condenados e presos.

 

Lula, Dilma, Cunha

 

Esperava-se que o PT, depois dessa dura lição, tivesse aprendido que não se pode confiar nas velhas forças da oligarquia política. O povo dera mais uma chance na reeleição petista em 2006. Mas Lula só fez aprofundar ainda mais a dependência para com estes setores da política, sintetizada na coligação com um PMDB fisiológico, o verdadeiro partido do “toma-lá-dá-cá”, com a desculpa mentirosa da necessidade de maioria para a governabilidade, esse jargão que virou justificativa para as alianças mais espúrias.

Completado o mandato, Lula podia se vangloriar de ter tirado “milhões de brasileiros da miséria colocando-os na classe média”, falácia que hoje, com a ameaça de corte de 30 por cento do Bolsa Família e o estrago que isso poderia causar nos números da pobreza, sabemos que não é bem assim.

Dilma presidente. Uma tecnocrata que não faz política

Com a eleição da Dilma Rousseff em 2010 parece que a dependência do partido para com os setores conservadores piorou ainda mais, com o agravante da presidenta não gostar muito de fazer política, ou seja, não ter a mesma capacidade de arrancar concessões dos seus “aliados” na mesa de negociações como o ex-presidente Lula. Isso foi fatal para o PT que, desde então, se tornou refém do que há de mais retrógrado no Congresso Federal. Coisas bizarras como as que temos visto, como a ascensão política de um delinquente que atualmente preside a Câmara dos Deputados e desafia abertamente Dilma Rousseff com ameaças de Impeachment, que promove discussões das mais repugnantes como projeto que dificulta o acesso garantido pela Constituição ao aborto em certos casos (isso depois que a própria Dilma voltou atrás sobre o projeto do Aborto Legal, a pedido do próprio Cunha…), e a mudança do Estatuto do Desarmamento, por exemplo. Uma mistura de interesses políticos, religiosos e empresariais, que nada têm a ver com a vontade daqueles que elegeram o PT contra estas mesmas forças reacionárias.

Em pelo menos quatro momentos o PT fraquejou, recuou e jogou no lixo o apoio dos setores mais progressistas do eleitorado:

  1. Quando recuou, em 2011, diante da bancada evangélica naquilo que depois ficou conhecido como “Kit Gay”: num país onde um homossexual morre a cada dia vítima de homofobia, a cartilha escolar visava esclarecer o tema perante os alunos, promover o entendimento, o convívio e a diversidade. A bancada evangélica, que está na base de apoio do governo (não deveria) fez estardalhaço e o governo covardemente recuou. De lá pra cá, Dilma tem sido vítima de ataques sistemáticos e campanhas difamatórias desse grupelho que forma uma das mais faltosas alas do Congresso e reúne alguns dos mais incriminados deputados da Casa;

  2. Quando desistiu de bancar a Lei de Médios: o PT no governo até chegou a propor o debate sobre a regulação de uma das mídias mais concentradas do planeta (apenas 6 famílias detêm o monopólio de todo o sistema de comunicação) mas com os ataques da mesma, o PT recuou. Recuou, e agora é vítima dessa mesma mídia, que não se furta a fazer um ataque sistemático e diário ao PT, a Lula e a Dilma;

  3. Quando Lula “escolheu” Henrique Meirelles para presidente do Banco Central e Dilma Joaquim Levy Ministro da Fazenda no seu segundo mandato: na verdade, escolheram no universo macroeconômico manter a continuidade da política econômica neoliberal do PSDB, aquela que os brasileiros rejeitaram em todas as últimas eleições e que aprofunda a crise que o país se meteu (e consequentemente abala a popularidade do governo);

  4. Por fim, quando, além de promover menos assentamentos da Reforma Agrária que o próprio Fernando Henrique Cardoso, Dilma escolhe como Ministra da Agricultura ninguém menos do que Kátia Abreu, a Rainha da Motosserra e defensora dos agrotóxicos na comida do brasileiro. Juntos com a Bancada da Bala (deputados patrocinados pela indústria das armas) formam o grosso da oposição ideológica ao governo.

Claro que esse é apenas um pequeno apanhado, existem muito mais áreas em que o governo, em vez de cortar a cabeça da direita, deu-lhe afagos, trouxe-os para o governo. E agora, sofre com o monstro que ajudaram a criar.

E poderia ser diferente?

Alguns governistas poderiam alegar que as forças conservadoras são tão grandes no Brasil, que não haveria alternativa a não ser a aliança com eles. Mas isso não é verdade, e os exemplos dos nossos vizinhos da América Latina, especialmente Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Venezuela, estão aí para não nos deixar mentir. As forças reacionárias, da direita e conservadoras estão aí em todo o continente, seja nas mídias ligadas a SIP, seja nos próprios parlamentos.

Saiba mais: SIP: onde se forma o consenso da imprensa conservadora latino-americana

Mas em vez de recuar, os governos desses países revolveram enfrentar a briga, estabelecer a diferença e os limites entre eles e os golpistas, e com isso conseguiram avanços que nem sequer sonhamos aqui no Brasil. Porque têm o povo para defendê-los. Aqui, numa estratégia inacreditavelmente burra, o PT virou as costas para as Manifestações de Junho, incriminando-as num primeiro momento, e depois prometendo reformas que foram violentadas, deturpadas e manipuladas pelos seus “aliados” no Congresso. A voz das ruas virou a voz da oposição com o beneplácito de um governo fraco e que despolitiza a política em nome de uma falsa paz entre as classes.

Portanto, a aliança com as forças conservadoras foi uma escolha infeliz do Partido dos Trabalhadores, e não uma necessidade em nome da famigerada governabilidade, como nos tem sido dado a acreditar. Os reflexos dessa escolha podem ser sentidos agora, e deverão ser decisivos na eleição de 2018.





Comentários

  1. Willliam Robson10/11/2015, 10:30

    “A fraqueza do PT no governo foi a brecha que a direita precisava para colocar as garras de fora. Agora, o monstro pode estar fora de controle.” [Comentarista no G+]
    ▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬
    Vixe!
    Que os deuses do bom senso lhe ouçam.
    Espero que a Direita na América Latina tenha despertado para nunca mais dormir.
    Quanto a ser monstro ...

    “Brasil e Argentina parecem dois bêbados cambaleantes a cabecear nos postes.
    Só que, enquanto a Argentina parece estar a caminho da economia de mercado, o Brasil parece estar de volta ao bar.” [Roberto Campos]

    *Nóias na linguagem da polícia significa drogados.
    %%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
    Campos deve ter dito isso na década de 80, hoje as coisas mudaram, Brasil e Argentina estão juntos no boteco, enchendo o rabo de socialismo...HAHAHAHAHAHAHAHAH!
    [Foram além do álcool, fumam pedras de crack, economias zumbis]

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    1. Citar um cão adestrado liberaloide jurássico chupador de bolas do imperialismo, mostra bem o caráter de quem o cita...

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  2. Independente do resultado das eleições de 2018, o PT torna-se-á um partido menor e mais enxuto, necessariamente, isto não quer dizer que seja ruim. Politicamente, para aprovar as medidas importantes, o governo precisa de maioria no Congresso Nacional. Realmente, nós estamos com um Congresso muito reacionário. A saída é a longo prazo, cada um fazendo a sua parte, onde estiver, procurando elevar o nível cultural do nosso povo!

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  3. Estou há muito tempo tentando descobrir qual é o partido de direita que existe no Brasil.

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    1. Nossa, mas são tantos! Talvez a pesquisa da Escola Politécnica da UPS publicada aqui possa te ajudar: http://panoramicasocial.blogspot.com.br/2014/06/estudo-cientifico-comprova-partidos.html

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  4. Não existe partido de direita. Existe um partido composto por políticos, que vivem de conchavos e maracutáia, para a retomada do governo e para isso não levam em consideração o bem estar da população brasileira.

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    1. http://panoramicasocial.blogspot.com.br/2014/06/estudo-cientifico-comprova-partidos.html

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  5. Quando digo que estou procurando partidos de direita no Brasil, é porque não há.
    Como há vários partidos que apoiam o governo federal que é do pt e esta referenda o foro de São Paulo é porque apoiam uma doutrina socialista. Por outro lado, o psdb que poderia ser uma oposição ao pt, não é de fato porque também referenda esse mesmo foro de São Paulo. Note que no atual embate da crise de governabilidade que há no país atualmente, não se vê um embate ideológico mas um embate do sujo criticando o mal lavado, e por isso moralmente não há político com moral para criticar político, e se ainda há algum que não tenha roubado, não foi por caráter, mas por falta de oportunidade.
    A real oposição no país é a das pessoas contra o governo e aos políticos em geral.
    Há menos de um mês o lula ainda caiu na besteira de dizer que quem roubou a vida inteira não tem moral de chamar o pt de ladrão. De fato, nesse caso ele pode ter razão, mas por outro lado, nós que não fazemos parte de partidos políticos e não nos beneficiamos de esquemas políticos e nem de favorecimentos do governo podemos e devemos chamar o pt de ladrão, e claro que isso inclui toda cumpanheirada e seus partidos aliados.
    Por isso mesmo que não creio que haja solução para a crise de governo dentro do regime democrático, porque simplesmente ao se tirar a mulher sapiens do poder, com ou sem o Temer a linha sucessória é um verdadeiro circo de horrores e que fica ainda pior com o STF já aparelhado. Ou seja, tirar a dilma, sem que haja outra coisa fora da linha sucessória, só servirá pra trocar de ladrão. Isso também apontaria para outras alternativas como golpe militar ou guerra civil. Como os milicos estão quietinhos, a alternativa seria uma guerra civil, mas por outro lado, a população está apática, e por isso mesmo, a dilma não cai e essa novela com o Cunha continua ad infinitum.
    O que você acha?

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    1. Deixa eu ver se entendi: o que é ser de direita, pra você?

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    2. Define "direita" pra gente aí, que fiquei curioso.

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    3. Quem definir, eu ou o Luciano?

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