O duelo de dois brasis no processo de Impeachment

 
E lá vamos nós, para mais uma aventura na política nacional. Depois de mais de 20 horas no processo de votação da admissibilidade do Impeachment de Dilma Rousseff, os senadores decidiram por 50 votos a 20 (1 abstenção) pelo prosseguimento do julgamento, agora com o afastamento da presidenta por até 180 dias.
 
O Brasil é um grande país, e não só em termos geográficos. Conquistou, nos últimos anos, um lugar de destaque no cenário geopolítico internacional, a ponto de pleitear uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Suas políticas públicas de diminuição das desigualdades ganhavam prêmios mundo afora. Sua economia, até então robusta, colocava peso nas reivindicações econômicas do país na OMC, a ponto do Brasil abrir processos contra os Estados Unidos por conta dos subsídios federais aos produtores de algodão, prejudicando nossas exportações, e a Bombardier, empresa canadense rival da nossa Embraer.
 
Mas esse Brasil moderno, amigos, era um Brasil ainda jovem, incipiente, que tentava surfar no prestígio internacional de sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo de forma seguida: Copa do Mundo e Olimpíadas. O Brasil estava na moda, os de baixo estavam felizes (com exceção daqueles que foram covardemente removidos de suas moradias para as obras dos eventos), resgatados da miséria: afinal podiam sentir o gosto de serem gente no capitalismo, ou seja, poderem ser consumidores de produtos e serviços. E mais, seus filhos agora estavam entre os milhares de jovens que finalmente podiam ingressar em uma universidade, representando um aumento de graduações em 109,83 por cento de 2002 até 2012. O Brasil preparava a sua juventude para o futuro.
 
Mas existe um outro Brasil dentro do Brasil. O Brasil da herança escravocrata; dos senhores de engenho, dos barões de café cujos netos são hoje os donos dos latifúndios; dos banqueiros e do empresariado paulista, setores tradicionalmente reacionários, que formam, a grosso modo, as elites e as classes dominantes desse país.
 
Através de uma falácia chamada meritocracia, cooptam também amplos setores das camadas médias, que pensam poder ser eles os novos ricos de amanhã. Estes setores reagem e lutam contra qualquer pequena mudança na política e na economia nacionais que ameacem seus privilégios de classe, nem que pra isso precisem recorrer a conclusões lunáticas como "risco de bolivarianismo" ou "comunização" do país, "ataques aos valores cristãos da família", e outras baboseiras que ocultam as verdadeiras intenções egoístas.
 
E pra finalizar, temos agora as seitas evangélicas, que pregam uma versão inusitadamente conservadora, de direita, no seu discurso para uma maioria de pobres e semianalfabetos, vítimas deste mesmo sistema. A religião, nesse sentido, tem feito um papel magnífico para as classes dominantes: junto com o pacote da fé religiosa, vai também o da xenofobia, da misoginia, da homofobia, do ódio ao diferente, do apego ao tradicional, a aversão a mudanças, apologia do patriarcado machista... E tudo isso com a vantagem de que cada membro convertido é um replicador em potencial desse veneno social.

Assim, a utopia liberal-conservadora atravessa todas as camadas sociais brasileiras, de cima a baixo, destruindo quaisquer tentativas de modernização deste país.
 
Eis aí as duas forças, os dois "Brasis" em disputa que desde Getúlio Vargas duelam com mais acirramento pela hegemonia. Toda vez que o Brasil moderno tentou emergir, as forças conservadoras reagiram, impedindo o país de avançar como um todo, de dar oportunidades para os de cima e os de baixo. Não... isso é inadmissível para aqueles que Darcy Ribeiro chamou de as classes dominantes mais perversas do mundo.
 
Abraçados na utopia neoliberal, aquela que foi derrotada nas urnas nas últimas 4 eleições, as classes dominantes muito bem representadas num Congresso de homens brancos, conservadores, cristãos, empresários e donos de terras, querem passar por cima das regras democráticas para impor na marra o fim dos míseros benefícios que os pobres conquistaram nos governos petistas, não obstante os ricos tivessem ficado ainda mais ricos no período. E assim se explica, por baixo de todas as insinuações e acusações mentirosas contra o governo, as verdadeiras razões deste golpe parlamentar contra o Brasil que um dia quis ser moderno. Estes senhores querem o Brasil do jeito que eles conhecem e gostam: estratificado, desigual, uma republiqueta gigante nas mãos de coronéis submissos aos interesses do imperialismo internacional, do qual se colocam como cães alegremente adestrados, jogando no lixo todo o nosso potencial de independência como nação.
 
É a história golpista das elites brasileiras se repetindo sempre como farsa. 
 
 




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