Quando o “esquerdismo” e a revolução de mentira se equivalem

Esquerdismo

Depois da queda do governo Dilma, setores progressistas do antigo governo não aproveitam a oportunidade para uma devida autocrítica. Ao invés disso, governistas expulsos do poder procuram bodes expiatórios para livrar-se de toda a responsabilidade pela condução do desastroso mandato da presidenta impedida.

E um dos alvos dos ex-governistas, através do seu site Portal Vermelho, por exemplo, são os chamados “esquerdistas”, aqueles que Lênin já havia denunciado como a serviço da reação e da burguesia, identificados, com toda a justiça, com os trotskistas.

Segundo Luciano Rezende, Engenheiro Agrônomo, mestre em Entomologia e doutor em Fitotecnia (Melhoramento Genético de Plantas) e também Professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) em artigo naquele portal, os esquerdistas, identificados sem critério com os partidos de esquerda em geral, fizeram o trabalho sujo de desestabilização do governo Dilma, através de protestos, cobranças e greves, e, após a queda do governo, teriam sumido, pois já teriam cumprido seu papel – ou seja, de quinta-coluna em favor dos reacionários.

Mas existe alguns detalhes na crítica ressentida do agrônomo que merecem ser questionados.

Primeiro, não é verdade que os protestos das esquerdas contra esta estranha conjuntura tenham cessado no momento do Impeachment. Universitários, trabalhadores e todos aqueles que gritaram “Fora Todos” não estão sumidos como alega o professor; estão e estarão nas ruas nos próximos dias, cada vez mais, exigindo a saída do governo usurpador e corrupto de Michel Temer. Ou será que o autor do texto não acompanhou os protestos recentes em São Paulo, que infelizmente tiveram como saldo trágico a cegueira de uma jovem manifestante pela bala de borracha da polícia? Os partidos, os sindicatos e os movimentos de esquerda continuarão nas ruas, apesar de realmente haver uma parcela trotskista na esquerda brasileira que merece ser combatida;

Segundo, não é justo identificar o PSOL como um desses atores “esquerdistas”. O partido vem defendendo, ao longo de todo o processo de Impeachment, que se trata de um golpe. Tem atuado em defesa da democracia. Não se pode confundir as críticas justas ao governo Dilma com um suposto esquerdismo trotskista, erro cabal cometido pelos governistas do PT e do PCdoB que ajudou a isolar cada vez mais os verdadeiros socialistas do governo, aqueles que poderiam engrossar as fileiras da defesa do mandato petista, se não tivessem sido enganados;

E por fim, as críticas ao governo se justificaram na medida em que os governos petistas no poder abandonaram os ideais que os elegeram. Não há a menor diferença entre esquerdistas a serviço da burguesia e um governo que esquece seu papel reformista, pra não dizer revolucionário, quando chega ao poder. Um governo que se alia ao que há de pior no reacionarismo conservador brasileiro, colocando-se ao seu serviço, não pode acusar os partidos de esquerda de fazer o papel de aliados das classes dominantes. Não cola. A realidade é implacável.

Os esquerdistas foram devidamente identificados e rechaçados porque combatiam, no passado, um governo legitimamente estabelecido pela revolução russa e conduzido contra todas as forças imperialistas do ocidente pelas mãos de Josef Stalin. Governo que, sem dúvida, revolucionou o que entendemos por representatividade do povo no poder. Será que os ex-governistas querem comparar este tipo de atuação com o que de fato fizeram durante os 14 anos que estiveram no poder? Vão alegar que o Brasil caminhava para o socialismo pelas mãos do PT, mas que foram sabotados pelos esquerdistas?

O PT cometeu um verdadeiro estelionato eleitoral desde 2002, quando decidiu que iria governar com os derrotados nas urnas, e assim procedeu até o último momento. No seu depoimento perante o Senado na defesa contra o Impeachment recentemente, Dilma reconheceu que a crise econômica mundial chegara ao país no final de 2014 com a queda das commodities, alegando que as políticas de proteção social tinham se esgotado. Não obstante, toda a sua propaganda eleitoral foi baseada em pautas legitimamente de esquerda, embora ela já tivesse em mente que aplicaria receitas de contenção e austeridade neoliberais assim que assumisse a faixa presidencial. Foi o que o professor Vladimir Safatle chamou de esquerda sazonal e sua “estação das cerejas vermelhas”: o hábito petista de apresentar programas progressistas que são desfeitos a partir da chegada ao poder.

Tendo em vista estes e outros tantos equívocos dos governos petistas, é justo alegar que a queda foi causada por uma suposta agitação esquerdista trotskista, mal definida, a serviço da burguesia, quando não existiu governo mais subserviente aos interesses do grande capital quanto o dos petistas? Governos em que bancos lucraram oito vezes mais do que na era FHC, para se ter uma ideia. Governos que não tocaram em privilégios, não regularam a mídia, não fizeram reforma agrária, não taxaram grandes fortunas, que mantiveram juros altos em favor dos rentistas mesmo em detrimento da economia…

Então por favor, uma autocrítica às vezes cai muito bem, como aliás também nos mostrou Lênin.





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