Bem vindo às trevas: deputado quer lei contra masturbação

ticão

O século XVIII foi uma época de importantes acontecimentos ligados à contestação de mitos e crendices arraigados nos costumes, uma era em que a Razão se solidificava de vez na consciência humana. Mas não só de conhecimento e ciência viveu o Século das Luzes, pois a mesma era que nos deu, entre outros, J-J Rousseau e Voltaire, também nos daria um Tissot.

Nascido em Genebra como Rousseau, em 1728, Samuel Auguste David André Tissot — mais conhecido como S. A. Tissot — foi criado pelo tio pastor, e tornou-se médico. Ficou famoso pelas suas habilidades terapêuticas, principalmente no tratamento da varíola, quando centenas de pessoas influentes do continente europeu iam lhe fazer uma consulta.

Com a fama, passa também a ser escritor. Sua escrita é dirigida ao povo em geral, com linguagem simples, e assim atinge uma enorme popularidade. Escreve sobre diversos assuntos da medicina, sobre febres, dores de cabeça, epilepsia, etc.

Mas nenhuma obra teve tanto impacto duradouro como o De l’onanisme ou De maladies produits par la masturbation (Do onamismo ou das doenças decorrentes da masturbação).

“Tissot inaugura duzentos anos de obscurantismo, desencadeando a repressão sexual, repressão dos impulsos apenas nascentes, culpabilização do sexo no que ele tem de mais ‘inventivo’, de mais natural, de mais necessário: a masturbação”1

Você, meu caro amigo, há de pensar: “que bom que essas coisas aconteceram há muito tempo, hoje em dia as pessoas estão mais evoluídas, menos obscurantistas e ignorantes, aqueles tempos ficaram pra trás”.

Pois pense de novo.

Eis que as notícias do momento dos principais veículos nos dão conta de que um deputado federal do DEM de São Paulo, chamado Marcelo Aguiar, vai produzir uma cruzada moralista contra a pornografia e a masturbação. O nobre político apresentou um projeto na Câmara propondo que as operadoras de telefonia criem uma maneira de vetar “conteúdos de sexo virtual, prostituição e sites pornográficos”.

Marcelo Aguiar

Ele afirma como justificativa que “há viciados em pornografia e masturbação”, colocando-os no mesmo patamar de drogados com entorpecentes. Nos moldes da fracassada “Guerra contra as drogas”, ele quer que o Estado promova uma “Guerra contra a punheta”, com direito a soldados do BOPE invadindo barracos na favela em busca de… mãos peludas…

Valendo uma mariola: o distinto deputado é evangélico: sim ou com certeza?

Quase 300 anos depois, um deputado evangélico brasileiro vem repetir uma tese ultrapassada, ultramoralista, carola, ridícula e inútil. Era para causar gargalhadas gerais, ser piada nacional — como seria em países desenvolvidos que deixaram esse obscurantismo religioso ridículo no passado, vivendo hoje uma sociedade verdadeiramente laica. Mas não… não no caso do Brasil.

Aqui existe uma simbiose cretina e criminosa entre uma parcela conservadora da sociedade, suas opiniões absurdamente preconceituosas e obsoletas e seus representantes políticos, que já descobriram o canto da sereia para seguidas reeleições: basta mencionar algumas palavras-chave e bordões prediletos dessa classe reacionária, como: “em defesa da família”, “pelos valores cristãos de nossa sociedade”, “a favor da vida” (em caso de ser contra o aborto); “a favor de cadeia para menores e pena de morte” (caso algumas destas infelizes crianças caiam nas diversas tentações que a vida abandonada lhes proporcionará). E aí não custa nada algum malandro como esse deputado pegar isso e criativamente levar adiante com novas interdições, como recriminar o prazer da punheta. Pronto, é música para os ouvidos carolas da sociedade patriarcal burguesa.

O Brasil entrou numa espiral de retrocessos inacreditáveis.

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1 BRENOT, Philippe. Elogio da Masturbação. Rio de Janeiro, Record:1998





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