Bolsonaro e Paulo Guedes comprovam: os interesses do capitalismo estão acima da democracia
Há diversos exemplos históricos que confirmam que o capitalismo, desde seus primórdios na era das grande navegações até sua ascensão rumo à hegemonia no século XIX, se fez valer de diversos regimes de governo, inclusive autoritários, para se impor. No entanto, a coincidência das revoluções burguesas junto com a consolidação desse sistema econômico no mundo disseminou uma ideia falsa de que ambos são parceiros naturais.
No caso do Brasil, pelo menos dois exemplos desmentem claramente essa tese. Primeiro, a modernização burguesa do nosso país se deu sob a batuta da Revolução de 30, que, por sua vez, se transformou no Estado Novo, um regime semi-fascista que suprimiu a democracia enquanto fazia o capitalismo se expandir. Ainda mais evidente foi o Golpe de 64, que derrubou a democracia em favor do capitalismo associado a investimentos internacionais. Segundo jornalista Henrique Acker, nesse período "viramos o país das montadoras, das empreiteiras, da caderneta de poupança e do bolo que crescia, mas do qual o povo só comia migalhas".
Na prática, isso significou a consolidação do sistema capitalista na forma que o capitalismo mais tira proveito: mercado livre e população controlada, privada dos meios de protestar contra políticas econômicas que nos deixaram como legado a maior desigualdade de renda do planeta.
Passado o período autoritário, os políticos resolveram colocar em prática no nosso país aquilo que Margareth Thatcher e Ronald Reagan apregoavam pelo mundo como a única alternativa: com base no Consenso de Washington, o mercado deveria ser totalmente livre de influência política — como não havia sido durante os 30 anos anteriores, quando estava em voga o chamado Estado de Bem Estar Social — inaugurando o período neoliberal.
Aqui no nosso país, desde a eleição de Collor em 89, o primeiro a ensaiar a abertura de mercado e o Estado mínimo, até o final dos anos 2000, no fim do governo FHC, o capitalismo viveu uma lua-de-mel com os governos da República. A alta burguesia e as elites enriqueciam com as especulações financeiras e o pagamento de juros da dívida pública, enquanto a baixa classe média e os pobres pagavam a conta da farra e os miseráveis ganhavam uma ajuda de custo, o embrião do Bolsa-Família. A diferença com relação à ditadura, no entanto, é que o povo insatisfeito poderia desfazer esse casamento através do voto nas eleições. E assim o fez.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva não representou uma ruptura completa. Os poucos capitalistas continuariam a abocanhar grande parte da renda nacional; porém havia também as políticas públicas voltadas para os mais pobres na área social, educacional e econômica, que elevaram da pobreza 40 milhões de indivíduos para o nível de consumo, fato que, em vez de agradar o capitalismo e o mercado, curiosamente os enfureceram. Isso ameaçaria num futuro a médio prazo o histórico desequilíbrio econômico-social que mantinha algumas poucas famílias e parcelas da classe média entre os privilegiados. Amanhã seus filhos poderiam ter que disputar os melhores empregos com os filhos da base da pirâmide social, o que era inadmissível.
Durante quatro eleições presidenciais, estes setores privilegiados acreditaram que, com a influência dos meios de comunicação, poderiam afastar do poder o indesejável PT e suas políticas sociais, colocando suas fichas nos tucanos. Depois de quatro derrotas nas urnas, o discurso foi radicalizando e o jogo democrático começou a ser deixado de lado. Primeiro com a recusa do candidato a presidente derrotado nas urnas, Aécio Neves, de reconhecer o novo governo. A seguir o Congresso mais corrupto da nossa história, presidido por Eduardo Cunha, promoveu um golpe parlamentar ao tirar Dilma Rousseff do poder. Por fim, o judiciário fez o seu papel de instrumento das elites, condenando Lula sem provas e tirando-lhe os direitos políticos. Estava aberto o caminho para a direita retornar ao poder.
No entanto, Lula perdeu seus poderes, mas não seu prestígio. Em qualquer pesquisa eleitoral em que seu nome fosse citado, o PT liderava. Os tucanos, entretanto, foram abandonados como solução e a burguesia radicalizada elegeu Jair Bolsonaro como seu novo porta-voz. Como contrapartida, o candidato trouxe consigo para comandar de fato o governo um ultraliberal, Paulo Guedes, que promete levar o neoliberalismo a seus níveis mais extremos da história brasileira caso seja eleito.
Ninguém pode dizer que não conhece os riscos que representa para o país a eleição de Jair Bolsonaro. Seu discurso protofascista tem repercussões negativas numa enorme parcela de brasileiros mal politizados, escolarizados e informados. A violência contra negros, mulheres, homossexuais e opositores políticos, que já é alarmante num país com mais de 60 mil homicídios por ano, além do desprezo pelos direitos humanos, promete subir. Diante desse cenário, o que fazem os capitalistas?
Batem palmas para Jair Bolsonaro em suas palestras repletas de preconceitos em qualquer encontro com empresários. O capitalismo não se importa com a barbárie, com o fascismo, com a guerra, se ele puder tirar proveito de tudo isso. Quando a democracia deixa de servir plenamente a seus interesses representados pelo financiamento de campanhas (agora coincidentemente proibido no Brasil) ou pela força do lobby, os capitalistas não se furtam a apoiar candidatos com métodos radicais, antidemocráticos, violentos e perigosos para manter seus lucros em alta, desde que esses governos mantenham-se simpáticos ao mercado.
Esta talvez seja a maior lição dessa conjuntura brasileira atual, em que um candidato protofascista junto com um economista neoliberal juntam forças para chegar ao poder.
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