Os protestos de junho de 2013 e os de 2019. Lições que devem ser aprendidas



Em 2013, o movimento do Passe Livre acabou perdendo as rédeas dos protestos por conta da aposta na horizontalidade da direção. Esse erro não pode ser repetido




Eu sou a prova viva de que, para se compreender um fenômeno social, é preciso haver um distanciamento do objeto de análise, para que se possa enxergar detalhes que não eram acessíveis, ou perceptíveis, no calor dos acontecimentos. No caso da história, o distanciamento é temporal.

Em 2013 eu participei, no Rio de Janeiro, das chamadas Jornadas de Junho, aquela série de protestos que colocaram milhões de pessoas nas ruas do país, e que, até hoje, os analistas se desdobram para entender. Na época eu pensava estar participando de um protesto popular contra o aumento das passagens de ônibus na cidade que houvera mudado espontaneamente para um protesto mais amplo, nacional. Mas eu estava redondamente enganado.

Apesar do relativamente curto espaço de tempo que se passou desde então, já é possível fazer, como fizera muito bem o sociólogo Jessé Souza, uma análise crítica do movimento.

De espontânea, aquela guinada nos rumos do protesto não teve nada. Hoje é mais nítido perceber que setores da mídia burguesa junto com uma mobilização estratégica da classe média nas ruas conseguiram subverter o movimento, direcioná-lo para seus propósitos e esvaziar o conteúdo popular. É preciso reconhecer, a estratégia foi um dos maiores sucessos de manipulação de que eu tenho conhecimento.

Aos poucos, essa massa intrusa conseguiu  emplacar lemas como "sem violência" e principalmente "sem partido", deslegitimando a participação da esquerda organizada. Lembro de, distraído, ser abordado por uma senhora de idade, mas com muita energia, que me pedia para segurar um cartaz contra a corrupção do governo federal (Dilma, na época) num dos já degenerados protestos. Como conseguiram arquitetar essa usurpação do protagonismo da esquerda nas ruas de forma tão bem feita é um dos maiores mistérios que ainda não conseguimos solucionar.

O fato é que todo, todo o nosso infortúnio na política nacional começou aí. A partir disso, o governo Dilma se enfraqueceu; o Congresso se fortaleceu; botou o Impeachment em votação e em prática; Lula foi preso; o PT desmoralizado, e a direita saiu do armário para assumir o vácuo de poder.

Tem sido esse desastre colossal.

Tanto que, dialeticamente, eis que os movimentos de esquerda ressurgem com toda força nas ruas. Estudantes, professores e servidores públicos da Educação deram provas no último dia 15 da potência que a esquerda ainda possui. Colocaram milhões de pessoas na luta contra os cortes na área.

Mas é preciso tomar alguns cuidados para que se não repitam os erros de 2013.

Hoje não moro mais no Rio e não pude participar de um dos maiores protestos recentes, o deste dia 15 que aconteceu na Avenida Presidente Vargas. Mas soube que, durante estes protestos, alguns manifestantes foram censurados quando puxaram o coro "Lula Livre!". Muito preocupante.

A Rede Globo, segundo Jessé Souza, foi a grande responsável por guiar a mudança política dos protestos de 2013. Lembro perfeitamente das críticas ferozes proferidas pelo então comentarista político do JN, Arnaldo Jabor, enquanto as manifestações anda eram contra o aumento das passagens de ônibus, e o quanto ele mudou descaradamente de opinião, quando os protestos já estavam tomados pelos coxinhas verde-amarelos.

À Globo também interessa, hoje, o combate ao governo Bolsonaro. Mas não porque ela esteja a favor dos trabalhadores ou da democracia. Ela é a favor dos seus próprios interesses corporativos. E para isso, ela quer um protesto higienizado, sem apelo popular de esquerda, ou seja, sem "Lula Livre" ou sem contestações à Reforma da Previdência, por exemplo. É a condição para a sua cobertura nos telejornais. Mas os movimentos estudantis, sindicatos e demais setores organizados da sociedade civil não podem ceder a esta tentação, pois 2013 está aí para nos servir de exemplo.

Outra questão muito importante é combater aqueles que querem impedir a vanguarda dos protestos de liderar o movimento. Tivemos exemplos lamentáveis nos protestos de 6 anos atrás de que uma massa sem liderança, sem direção clara e sem hierarquia perde facilmente o controle dos rumos do protesto. A UNE, os sindicatos dos professores e das demais categorias que por ventura vierem a participar dos próximos protestos, como a do próximo dia 15 de junho, devem estar afinados e empenhados em seguir as pautas definidas, combater aqueles oportunistas que vierem se infiltrar com intenções espúrias como baixar as bandeiras dos partidos políticos de esquerda e redirecionar os manifestantes para os interesses da burguesia, já totalmente desiludida do governo Bolsonaro.

O que devemos defender agora, seja o Fora Bolsonaro, seja eleições diretas com Lula livre e candidato, seja outra coisa, cabe a nós decidir. Não à Rede Globo.




Comentários

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Comunistas não podem usar iPods ou roupas de marca?

Qual é o termo gentílico mais adequado para quem nasce nos Estados Unidos?

Singapura, exemplo de sucesso neoliberal?

O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês

CBF reconhece o título do Flamengo de 1987. Como se isso fosse necessário