Guia prático do posicionamento político

Tem circulado nas redes sociais um interessante e controverso "meme", definindo, aparentemente de forma irônica, mas certamente crítica, os posicionamentos políticos mais relevantes no Brasil.



Muitas pessoas não acreditam que seja dessa forma, que é apenas uma postagem tendenciosa de algum militante da esquerda. Mas o meme, de fato, reflete exatamente a realidade. Vejamos.

Por que ser de centro é ser de direita

Primeiro, o que é ser "de direita"? Poucas pessoas costumavam se referir a si mesmos como de "direita" até recentemente. Afinal, além de ter uma carga pejorativa desde há muito tempo, por conta de estar atrelada a uma tendência reacionária a qualquer tipo de mudança na ordem social, piorou muito com o advento da ditadura militar no Brasil (de direita, com todos os seus crimes e autoritarismos assassinos no período).

Poucas pessoas gostariam de assumir esse fardo, e portanto, era mais sutil se dizerem "de centro".

A definição esquerda e direita na política começou, como a maioria das pessoas sabe, durante a Revolução Francesa. Conservadores, fossem eles burgueses ou nobres, sentavam-se à direita na Assembleia. "Radicais", jacobinos e progressistas à esquerda.

De lá pra cá, pouco mudou nessas características iniciais. Já naquela época, quem era de centro era mais identificado com a direita, com medo da revolução sair do controle das elites e ir parar na mão do povo, como acabou acontecendo durante um certo período, pelas mãos de Robespierre.

Quando o povo foi fazer valer a revolução de fato, as elites a chamaram de Terror. Porém, isso é outra história.

Mas existe alguém realmente de centro na política?

Óbvio que não. É diferente ser de centro em países governados pela social-democracia, pelo socialismo ou pelo capitalismo, como é o caso notório do Brasil. Mas todos eles acabam corroborando sempre um lado, o lado que estiver no poder.



Ser de centro na Finlândia é achar que as políticas públicas estão indo muito bem, que a sociedade é bem servida pelos órgãos públicos, que não existe nenhuma demanda muito séria a que se envolver, tomar partido, como por exemplo a diminuição da desigualdade ou a taxação de grandes fortunas, coisas que eles já resolveram há muito tempo.

Ou seja, ser de centro é apoiar a social-democracia do governo.

O Brasil é um país capitalista (ou seja, de direita), embora periférico, e ostenta centenas de problemas mal resolvidos causados por este mesmo sistema, dentre eles o autoritarismo e a violência do Estado contra pobres. Ser de centro, "neutro", defender apenas algumas pequenas reformas diante da colossal mudança estrutural que precisamos, é não querer mexer nas estruturas do governo de direita do sistema, ou seja, é ser de direita.

"Não sou de esquerda nem de direita"


Hoje esse tipo é conhecido como o "isentão", aquele que do alto da torre de marfim em que se colocou, aponta o dedo para ambas as vertentes políticas e se diverte criticando-as, colocando, por exemplo, bolsominions e lulistas no mesmo pé de igualdade, embora em polos opostos.

Nada mais nocivo para a sociedade do que o isentão.

A política perpassa todas as esferas de nossa vida. O isentão acredita ser tolice tomar partido, defender uma causa, já que, em sua visão, todas as causas são iguais, inúteis ou perdidas.

Quando diz não ser nem de esquerda e nem de direita, ele levanta essa bandeira como mérito. Mas não sabe que é apenas um tolo com preguiça de pesquisar sobre o tema, se inteirar das coisas, e está fadado a ser governado por aqueles que ele justamente detesta.

Os políticos da direita, aqueles que se aproveitam dos menos engajados para destilar e emplacar suas fake news, suas mentiras e suas propagandas, encontrando terreno fértil de manipulação das mentes menos politizadas, são os que estão no poder no Brasil.

Ou seja, não tomar partido, não se envolver, não ser "nem isso nem aquilo", só ajuda a quem tira proveito dessa atitude: a direita, que está no poder e quer continuar.

"Não tenho preferência / "Não gosto de política"


Essas são vertentes irmãs, idênticas nos resultados práticos. Na verdade, podem se equiparar também ao isentão, com a diferença de que este ainda se interessa um pouco por ironizar a política, embora não de forma efetiva e sim para criticar, se colocar acima das disputas.

Enquanto isso, os que não têm preferência nem gosto por política nem sequer se importam com ela. A não ser naquelas semanas da época de campanha eleitoral, onde esta personagem subitamente descobre por vias mágicas (mentira, é induzido através das mídias mesmo) qual é o melhor candidato, aquele que vai salvar o Brasil da lama da corrupção e das safadezas, o herói, o mito... E logo depois de ter feito a cagada eleito um presidente despreparado e tosco que vai lhe tirar todo e qualquer resquício de direito social que ainda tenha restado, este ser volta tranquilamente a seu estado de hibernação política, como quem não é com ele, proferindo frases secas, como "não tenho preferência", "não gosto de política".

Pelo menos até a próxima eleição, onde talvez descubra com toda a certeza do mundo que o melhor para o país agora é Luciano Huck...

E assim, o Brasil vai caminhando a passos largos rumo a uma realidade onde as políticas econômicas da direita seguem fazendo seus estragos por onde passam, às vezes numa espécie de segundo round, depois de terem feito um primeiro estrago (como os tucanos no poder nos anos 90); terem sido derrotados e agora trazidos de volta à baila na carona de um golpe e de um afastamento ilegal de um ex-presidente, preso para não impedir o cataclismo que hoje o governo atual nos causa.

O que diriam aqueles centristas, isentões e desgostosos da política ao serem cobrados por terem ajudado a eleger um governo de (extrema-)direita, mesmo ele, o cidadão, "não sendo" de direita?

"Mas e o PT?". É o que diriam. Claro que isso não tem nada a ver com ser de direita...











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