O viralatismo do governo brasileiro nunca foi tão constrangedor



A Guerra Fria trouxe consigo uma consequência que pesa até hoje na questão da nossa soberania — pra não dizer da nossa autoestima. A participação do Brasil na II Guerra Mundial representou um alinhamento das nossas elites, através das Forças Armadas, com o ideal de mundo liberal estadunidense.

A partir daí, na cabeça de nossas classes dominantes, criou-se o mito de que o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil. Nada mais falacioso.

A Guerra Fria se foi e a dependência sentimental, econômica e ideológica do Brasil (leia-se, na verdade, um sentimento de xenofilia de uma parcela da alta elite que influencia o comportamento de parte da classe média) em vez de diminuir, parece que aumentou.

O PSDB foi o principal partido que, na política institucional, a partir dos anos 90, acampou o maior número de políticos dispostos a representar interesses das altas classes alinhadas com os Estados Unidos no nosso território. O neoliberalismo econômico, fruto dos ideais do Consenso de Washington, recompensava (legalmente, com o prestígio na grande imprensa burguesa, ou ilegalmente, com apoio financeiro) aqueles que se prestavam a trair a própria pátria em favor dos interesses do grande império estadunidense.

Mesmo com todo apoio midiático e econômico-empresarial, os estragos sociais do neoliberalismo foram tão fortes que, não só no Brasil, mas em grande parte da América Latina, causaram uma resposta do eleitorado a partir dos anos 2000, com a sucessiva eleição de presidentes que faziam oposição a este modelo em todo o continente.

Se dependesse apenas das regras da democracia burguesa, respeitadas a vontade do povo, aqueles governantes que seguiram à risca a cartilha estadunidense para nossos países seriam jogados no limbo da história, isto se não fossem condenados criminalmente por seus atos de lesa-pátria.

Mas os Estados Unidos não iam deixar barato a eleição de desafetos na região. Com o velho apoio das altas elites locais, junto com a burguesia nacional, promoveram uma virada de mesa, baseada não em aspectos econômicos, mas dessa vez em aspectos morais.

Deixando de lado as antigas aliadas Forças Armadas, mas sem abrir mão das mídias tradicionais, fomentaram o apoio do judiciário e das Igrejas neopentecostais para enxotar do poder governos legitimamente eleitos, colocando em seus lugares representantes das classes sociais desde sempre alinhadas com o seu modo norte-americano de ver o mundo.

O detalhe curioso é a suspeita que temos de que toda essa trama, que foi bastante bem organizada, como por exemplo o treinamento nos Estados Unidos do juiz Sérgio Moro, foi ainda mais profunda. Se décadas atrás os Estados Unidos estrategicamente apoiaram, inclusive financeiramente, o surgimento de diversos grupos identitários pelo Ocidente, foi justamente lutando contra eles agora que os grupos moralistas conservadores colocaram no governo representantes ideais dos Estados Unidos.

E assim que chegamos na eleição de Jair Bolsonaro, um zé-ninguém do baixo clero que durante 30 anos atuou nas mais condenáveis práticas de ganho pessoal na política, mas que se transformou, com o apoio da mídia, no mito, no herói, no salvador da pátria, que iria salvar o Brasil não se sabe de quê, carregando bandeiras de ódio, preconceito e misoginia que atraíam os desejos moralistas.

O que seu ano e três meses de governo mostrou é que Bolsonaro não foi eleito para acabar com a corrupção, com a ditadura gayzista ou o atrevimento das feminazis, e sim para levar aos limites da insanidade a vassalagem vira-latas ao presidente estadunidense e ao modelo econômico ultraliberal dos Estados Unidos.

Episódios não faltam nesse circo de baixa auto-estima e desamor pela própria pátria, como a continência à bandeira estrangeira; o alinhamento cego ao pernicioso neoliberalismo trazido de volta das trevas; a briga com a China e a tentativa de mudar a embaixada de Israel para Jerusalém; a venda da Embraer para a falida Boeing; o fim da necessidade de vistos para cidadãos estadunidenses sem contrapartida, etc.

Mas dois episódios recentes ilustram de maneira indiscutível o nível rasteiro de subserviência do nosso presidente e de seus representados:

Primeiro, o fechamento das fronteiras e dos aeroportos a todos os estrangeiros por conta do coronavírus, menos aos estadunidenses, sem nenhuma justificativa plausível.

Segundo, uma campanha ridícula, perigosa, irracional e anticientífica da cloroquina como substância curativa do coronavírus. Por quê? Porque Donald Trump falou primeiro!

Estamos observando de forma nítida o que representa governantes de um país que usam do moralismo e do falso patriotismo para se colocarem como cães adestrados e queridos pelos donos. Aceitam o privilégio de se vender e vender junto o país a um império estrangeiro, desde que possam ter um bom osso cheio de tutano para roer.

É preciso identificar essa característica em homens de negócios, pastores picaretas, donos de terras griladas e lobbystas das armas para afastá-los de vez da política, junto com este governo insano que ora nos governa.

Depois de vencida a batalha contra o coronavírus, precisamos discutir os rumos deste país, tirado dos trilhos por um golpe sujo de classe e que agora afunda junto com o desastroso inepto que ajudaram a eleger.

O Brasil precisa ser refundado.








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