Idosos no Brasil: vítimas do coronavírus, vítimas da sociedade



Uma das consequências da grave pandemia de coronavírus que ora se alastra descontroladamente pelo mundo, é a grande exposição dos idosos. E não apenas no sentido de serem noticiados como as vítimas principais do patógeno, mas também como alvos de severas críticas neste momento de crise.

Quem tem por volta de trinta e cinco anos ou mais, como eu, há de se lembrar do famoso seriado A Família Dinossauro. Num dos seus episódios, evidencia-se a tradição dos dinossauros de se desfazer de seus idosos no aniversário de 72 anos. Tudo começou, de acordo com o milenar costume jurássico, quando um líder tribal, se sentindo velho, esquecido e inútil, determinou que a partir daquele momento, todos os idosos daquela idade seriam jogados de um penhasco no "Poço de Piche". 

Uma bela alegoria de como nós, seres humanos, especialmente do Ocidente, tratamos nossos idosos. 

Ou nós também não achamos que nossos pais e avós, depois de atingir uma certa idade avançada, são um estorvo, quando, por exemplo, andam "lentamente" pelas calçadas apressadas das grandes cidades? Ou quando, não habituados com as tecnologias do mundo moderno, "demoram" nos caixas eletrônicos 24 horas dos estabelecimentos comerciais? Quantas vezes, intimamente, não nos aborrecemos quando garantimos um lugar no transporte público lotado, e repentinamente um idoso para justamente na nossa frente, nos obrigando a ceder o precioso lugar ou a fingir que estamos dormindo para não atender uma garantia legal dos mais velhos a um lugar sentado? Até do rombo da Previdência os idosos são cretinamente culpabilizados, pois o que é a necessidade dessas reformas liberais que se tem como justificativa o aumento de idosos no Brasil?

E agora, com esta nova pandemia mundial, além de serem o grupo onde o coronavírus faz mais vítimas fatais, os idosos estão recebendo diversas críticas por parte dos mais jovens, principalmente nas redes sociais, por estarem circulando nas ruas das cidades, quando a determinação é que todos fiquem em casa. 

Mas muitas pessoas continuam circulando pelas cidades. Muitas pessoas não podem se dar ao luxo de contratar serviços de entrega por aplicativos. Precisam continuar indo aos mercados, a comprar itens de primeira necessidade nas farmácias, ou a sacar seus dinheiros nos bancos. Então por que somente os idosos nas ruas são criticados? 

Alguém já parou pra pensar que muitos desses idosos não tem celular para usar os aplicativos de entrega? Ou que, comumente, moram sozinhos, ou porque criaram os filhos para o mundo ou porque foram abandonados pelos mesmos? Que não tem ninguém que possa fazer por eles o que geralmente a maioria dos jovens tem, que é uma outra pessoa disponível às suas necessidades? Ou será que as pessoas pensam que os idosos são teimosos em essência (outro preconceito latente) e que estão na rua a passear para desafiar as determinações das autoridades? 

O fato é que nós nunca nos importamos com os mais velhos. Numa sociedade onde o ser humano só tem valor enquanto pode ter seu trabalho extraído de sua mão de obra, os mais velhos são considerados incapazes, inúteis, descartáveis, como se pudéssemos jogá-los de um penhasco para nos livrar de um peso morto. 

No citado episódio da Família Dinossauro, Bob, neto da vovó Zilda, que deveria ter sido jogada no Poço de Piche pelo genro Dino, faz um apelo, convencendo a família de que a experiência e a sabedoria adquirida ao longo dos anos pela velha senhora seriam de grande valia para a família. E assim convence a mãe de que descartar os idosos é um ato bárbaro, rompendo com a antiga tradição.


Talvez seja o momento de nós rompermos também com nosso legado de descaso com os mais velhos. Aprendermos com eles, com os seus erros e os seus acertos. Usar suas experiências a nosso favor. Até porque, se ainda não ficou óbvio o suficiente para as pessoas, elas também envelhecerão e serão os idosos de amanhã. 




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