Resenha: O Brasil não cabe no quintal de ninguém
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Ilustração da capa do livro de Paulo Nogueira |
Recentemente, em entrevista ao portal 247, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior foi perguntado sobre o título de seu mais novo livro: "O Brasil não cabe no quintal de ninguém".
Por conta do momento, eu diria, mais subserviente, adulador e capacho de um governo brasileiro ao imperialismo estadunidense como jamais visto, o seu editor perguntou brincando, segundo o relato do autor, se aquele não seria um título mais cabível a um livro de ficção.
E pensar que, menos de 10 anos atrás, era tudo muito diferente... É esta a sensação que revivemos ao lermos o citado livro de Paulo Nogueira, que nos mostra o momento de um Brasil grande, respeitado, de cabeça erguida perante o mundo, credor do FMI e motor dos BRICS.
Paulo fora diretor executivo da cadeira brasileira do Fundo Monetário Internacional durante o segundo mandato do presidente Lula e o primeiro da Dilma, tendo participado de discussões de reformas importantes na instituição bem no momento em que repercutia a grave crise econômica dos países desenvolvidos em 2008, tendo presenciado por diversas vezes como os norte-americanos e os europeus burlaram todas as regras para usar as verbas do fundo a favor dos seus aliados.
Uma Europa decadente ainda dá as cartas
Na verdade, Paulo Nogueira deixa claro como, ao contrário do que pode se pensar, é a Europa atuando em bloco e não os EUA que operam de modo egoísta, pensando sempre nos seus próprios interesses imperialistas. O FMI foi criado na primeira metade do século XX saído das negociações de Bretton Woods, e hoje, mais de 70 anos depois, vemos uma Europa cada vez mais irrelevante no panorama econômico mundial se agarrar a seus privilégios históricos, tendo mais poder dentro da instituição do que de fato representa a realidade.
Paulo Nogueira deixa bastante claro as vezes em que europeus atuaram juntos para vetar quaisquer reformas que pudessem mexer nessa hegemonia anacrônica, para dar mais poder a países emergentes. Uma das grandes revelações do livro, certamente, que mostra os bastidores de como funciona o FMI por dentro.
Superando o complexo de vira-latas
A obra relata como o Brasil teve papel destacado dentro da instituição, não obstante as severas tentativas de manchar a reputação do diretor executivo brasileiro por parte dos representantes dos países desenvolvidos, que não tinha pudores em desagradá-los, coisa com a qual os europeus não estão muito acostumados. Era o Brasil sendo grande, como sempre deveria ser, e não esse arremedo de país com uma representação diplomática e membros de instituições financeiras internacionais fracos e covardes, que se prostram diante do império esperando migalhas de recompensas, como os nossos representantes atuais.
Quanto a esse tipo de brasileiro no exterior, denominado "bufunfeiro", Paulo Nogueira tem uma descrição bastante interessante:
Já que os países da periferia não podem ser governados diretamente por estrangeiros, porque seria muito acintoso, convém treinar as elites periféricas. Vou usar uma palavra até mais forte: trata-se de adestrar as elites da periferia, de condicioná-las a pensar e agir de determinadas maneiras. Cria-se, assim [...] uma tecnocracia financeira apátrida, que ocupa boa parte dos postos de comando nos ministérios de finanças e nos bancos centrais dos países em desenvolvimento. Muitas vezes a passagem pelo ministério ou banco central é apenas um degrau, um passo para postos importantes no sistema financeiro local e internacional.*
Na época em que escreveu essa valiosa descrição, ela servia ao então ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, Joaquim Levy, hoje (surpresa!) diretor do Banco Safra e deixa a gente com ainda mais raiva pela ex-presidenta ter colocado tal representante do setor financeiro no seu governo. Hoje, essa descrição cabe como uma luva a outro capacho adestrado do capitalismo: Paulo Guedes, um verdadeiro chicago-boy doutrinado pelo e a serviço do imperialismo.
Brasil como motor do BRICS
Foi muito aprazente tomar conhecimento de como o Brasil foi protagonista, senão na criação, mas no desenvolvimento do chamado grupo do BRICS, formado por gigantes como a China, a Rússia, a Índia — além da África do Sul, a partir de 2011. Apesar das idas e vindas, o BRICS representa a aliança geopolítica mais importante para o Brasil, e reativar firmemente as relações com os outros membros do grupo deve ser uma das principais estratégias de um próximo presidente progressista que por ventura venha a presidir o país, depois que esta tempestade distópica a qual estamos vivendo atualmente passar.
O livro fecha com uma coletânea de artigos do autor publicados nos últimos anos nos principais veículos de mídia do país, abordando temas como nacionalismo, macroeconomia, escravidão moderna, etc.
O livro vale para quem quer muito conhecer como funciona os bastidores do FMI, suas negociações e estratégias. Também nos causa uma certa nostalgia de um momento em que o Brasil era tratado como o que ele de fato é, uma das mais importantes nações do planeta, entre as maiores em economia, população e território.
Seria bom que ele funcionasse como um chamamento às pessoas que estão por ora desorientadas, embasbacadas com os rumos tenebrosos que o nosso país tomou desde 2016. O Brasil já mostrou que pode dar certo. Só precisa identificar no seu seio as ervas daninhas, aqueles doutrinados, teleguiados e subalternos que estão em posições de poder, fazendo estragos enormes na nossa soberania, na nossa economia, e até na nossa auto-estima, afastá-los, puni-los e principalmente, criar mecanismos para que jamais voltem a ter o prestígio que ora gozam.
O Brasil de fato, não cabe no quintal de ninguém.
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* BATISTA JUNIOR, Paulo Nogueira. O Brasil não cabe no quintal de ninguém: Bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e no BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. São Paulo: Leya, 2019, p. 355.
Parece interessante esse livro. O que deixa triste mesmo é o PT ter sido fraco pra colocar um Joaquim Levy no comando da economia. Foi o começo do fim pra Dilma.
ResponderExcluirInfelizmente a presidenta Dilma sofreu pressões da oposição e cedeu, aplicando políticas de austeridade neoliberal acreditando assim acalmar os críticos. Mas na verdade essa sinalização foi interpretada como sinal de fraqueza, e realmente era. Ao trair a sua própria base, o governo ficou vulnerável a todos os ataques golpistas que culminaram na derrubada da presidenta do poder.
ExcluirO que a gente espera é que isso tenha servido de lição aos petistas, mas eu não tenho tanto otimismo.
Grande abraço.