O discurso que não foi discurso do Casemiro e o boicote que não aconteceu

Após se esquivar de esclarecimentos, Casemiro virou herói


Tenho acompanhado, um tanto incrédulo, as manifestações de setores da sociedade brasileira — tanto os bolsominions raivosos e suas ameaças na internet quanto as celebrações insensatas dos liberais e até de setores da esquerda cirandeira — a respeito do possível boicote dos jogadores à Copa América. 

Tanto o técnico da seleção brasileira, Tite, quanto os jogadores, não falaram abertamente sobre o assunto até agora, sob o pretexto de estarem concentrados nos jogos das Eliminatórias, prometendo uma declaração para depois do jogo do Paraguai, nesta terça. 

Após uma entrevista evasiva do capitão da seleção, Casemiro, no fim do jogo contra o Equador nesta última sexta, diversos analistas, torcedores e o público de forma geral começaram a ter certeza absoluta, de forma inexplicável, de que os jogadores tinham tomado uma atitude política contra o presidente Jair Bolsonaro. Tinham certeza de que os atletas iriam boicotar o evento, em respeito às vítimas da covid-19 que vai chegando na casa das 500 mil.

Agora sai a notícia de que, após o afastamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, os jogadores vão jogar o torneio.

Como os analistas puderam ser tão insensatos? 

Já foi o tempo do futebol romântico, em que os jogadores podiam externar suas opiniões, sem que tivessem suas reputações destruídas por uma mídia esportiva completamente vinculada ao patrocínio de grandes interesses econômicos. 

Hoje já não cabe mais uma Democracia Corinthiana. Pra falar a verdade já não cabia naquele meados dos anos 80. Só foi tolerada e divulgada porque já era interesse das grandes corporações capitalistas enterrar o entulho da moribunda ditadura militar naquele período. 

Há o medo, por parte das classes dominantes, de que os jogadores, a maioria oriunda das camadas mais pobres e injustiçadas da sociedade, possam influenciar manifestações políticas e sociais no mundo do futebol, que precisa estar alheio, desinfectado e afastado de qualquer tendência de lutas sociais para que o mercado possa explorá-lo devidamente. 

Torcedor deve se inspirar em seus ídolos para comprar xampu, aparelho de barbear, fazer apostas on-line, comprar camisa da nike, e não discutir pobreza, desigualdade, violência policial, etc. 

Aqueles poucos jogadores que ousam desafiar essa lógica tem vida curta na carreira — ou pelo menos nos holofotes. Não é à toa que o excelente zagueiro Paulo André, um dos líderes do movimento do Bom Senso em 2013, foi absolutamente silenciado nas grandes mídias sobre qualquer assunto. Não aparece. Tem que ser esquecido. 

Os jogadores levam isso em conta. Se posicionar no Brasil é fatal. Como disse Paulo André numa entrevista em 2017, "o país agride quem pensa e se posiciona". Num dos delírios de quem não entende a realidade do futebol brasileiro, o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros, chegou a ingenuamente a apelar a Neymar para o boicote da Copa América

Neymar não falou e jamais falará a favor de qualquer tipo de insurreição. Está amarrado a dezenas de contratos publicitários que o impedem de fazê-lo. Mas uma coisa que o Neymar faz, porque é a única janela pra quem quer fazer algum movimento em direção ao social, é uma fundação.

Fundação é bom. Casa com o nosso espírito católico de caridade, uma forma de "ajudar" quem precisa sem necessariamente questionar as razões que fazem alguém precisar desse tipo de ajuda. E ainda pode ser deduzido do imposto de renda. Também é bom para a imagem, e imagem é tudo. Quanto melhor a imagem de um atleta, mais apto a associá-la a algum produto para vendê-lo. 

A notícia de que os jogadores irão jogar o campeonato sul-americano após a saída do presidente da CBF foi um banho de água fria na cabeça dos esquerdistas iludidos. Parece que o problema era apenas interno, nada a ver com revolução, crítica ao governo, protesto contra a pandemia. 

Nesta terça saberemos maiores detalhes. Vamos ver o que os media training da CBF prapararam para a opinião pública. 

A única certeza é que não terá nenhuma relação com a atuação genocida de Bolsonaro em trazer para o Brasil um torneio internacional em meio a uma enorme crise de vacinação, muito abaixo do esperado, e cuja responsabilidade já começa a ser delineada na CPI do Senado. 





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