Lázaro Barbosa morto e os direitos humanos
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Lázaro Barbosa e as buscas em Goiás |
O governador do Estado de Goiás acaba de antecipar a tão esperada prisão de Lázaro Barbosa.* Em instantes, a polícia deve conceder uma entrevista coletiva confirmando o fato. E agora?
Vamos ver, antes de tudo, alguns detalhes dessa busca e como os Direitos Humanos se relacionam a este caso.
Os preconceitos de sempre
Está em cartaz no streaming da Globo o documentário O Caso Evandro. Os episódios relatam desaparecimentos de crianças no Paraná no final dos anos 80 e início dos anos 90. Neles, é possível assistir o medo causado na região, a tentativa das polícias em encontrar o serial killer e a grande repercussão na mídia.
Quase 30 anos depois, no chamado "Caso Lázaro", completados exatos 20 dias de buscas no dia de hoje, uma equipe de policiais conseguiu prender o assassino Lázaro Barbosa de Sousa no interior de Goiás.
Ambos os casos têm mais coincidências do que gostaríamos.
Passado tanto tempo, esperávamos que certos preconceitos religiosos pudessem estar superados no Brasil, mas infelizmente não é esse o caso. Também gostaríamos que a sociedade brasileira tivesse dado alguns passos a mais rumo à civilidade, compreendendo o verdadeiro valor dos Direitos Humanos. No entanto, estamos empacados no mesmo patamar de sempre.
No caso Evandro, a polícia civil apareceu na cidade de Guaratuba para investigar o sumiço de crianças, atendendo ao apelo dos moradores temerosos pelo assassino à solta. No entanto, fazendo um trabalho que as pessoas consideraram bastante lento, logo apelaram para a chegada da Polícia Militar.
Rapidamente chegou-se a duas suspeitas e seus cúmplices: a mulher do prefeito da cidade, Celina Abagge e sua filha Beatriz Cordeiro Abagge, praticante de umbanda. Isto porque a Polícia Militar associou levianamente as mutilações do corpo encontrado com a prática de "magia negra", tese que a imprensa ajudou a difundir, gerando revolta, medo, preconceito e pedidos de linchamentos e morte às suspeitas.
Depois de muitos anos, encontrou-se um áudio gravado em fita cassete mostrando na íntegra como se deu o interrogatório e a confissão de "culpa" dos acusados. As partes onde ficam evidenciadas as torturas que Celina, Beatriz e os "cúmplices" da religião umbandista sofreram na sessão de interrogatório foram estrategicamente cortadas da fita utilizada no julgamento, mas aparecem claramente nestas fitas originais recuperadas.
Várias pessoas foram levadas à condenação de um crime que não cometeram porque a Polícia Militar forjou uma confissão à base de tortura, aproveitando o fato das religiões de matriz africana serem acusadas de fomentar magia negra e satanismo no imaginário popular.
Infelizmente, passados quase 30 anos, ainda é o que acontece, como pudemos ver logo no início das buscas de Lázaro Barbosa.
A todo momento, as polícias envolvidas nas buscas se empenharam em associar Lázaro Barbosa à "magia negra" e "satanismo", práticas corriqueiramente associadas às religiões de matriz africana. Uma imagem divulgada pela polícia da residência de Lázaro com imagens de umbanda seria, na verdade, a de um terreiro que a polícia invadiu, de acordo com denúncia do jornalista Alan Rios,
Outra "prova" de satanismo divulgada foi uma parece pichada com a palavra "Satan" onde seria o quarto de Lázaro,🚨 Esclarecimento sobre Lázaro e "satanismo" 🚨
— Alan Rios (@alanriossr) June 19, 2021
Fotos divulgadas por policiais e em alguns veículos como sendo da casa de Lázaro NÃO SÃO VERDADEIRAS. Polícias fotografaram um terreiro de Candomblé do Pai André, que aparece no vídeo. O terreiro NÃO TÊM NENHUMA LIGAÇÃO COM LÁZARO pic.twitter.com/9gY2wfFLlV
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Quem é que picharia a própria casa? |
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Bandido não sabe escrever o próprio nome? |
Por que a polícia insiste de forma tão enfática na associação entre o suspeito foragido e práticas religiosas de umbanda ou candomblé? Alguém já viu a polícia invadir casa de algum suspeito, fotografar uma bíblia ou um crucifixo para condenar moralmente alguém?
A "desespecificação" do outro
A “compaixão geral”, produzida pelo sentimento de unidade da espécie humana, é um obstáculo ao desenvolvimento da violência mais brutal. Para que essa violência possa ser praticada sem muitos constrangimentos e inibições, por ocasiões de conflitos de grande virulência, é preciso neutralizar a “compaixão geral”, recolocando em discussão a unidade da espécie. Nesse sentido, os conflitos totais pressupõem um ato de “desespecificação” [grifo meu] do inimigo; comportam a exclusão ou expulsão de determinados grupos étnicos, sociais e políticos da comunidade reunida em torno de valores, do mundo civilizado e até do gênero humano¹.
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