Em sua primeira grande crise, Lula sai fortalecido contra uma elite sabuja e vira-latas

 

A vergonha de um país sem autoestima. Fonte: TV Cultura

Macaquitos. Assim alguns de nossos "hermanos" argentinos se referem a nós, brasileiros, de forma pejorativa. No futebol, a conotação é obviamente racista, e já não é mais tão frequente como era, por exemplo, nos anos 90 ou antes, quando as campanhas contra o racismo no futebol não eram tão frequentes como agora. 

No entanto, existe uma outra conotação para este termo. É quando os argentinos se referem aos brasileiros de modo geral como um povo que imita, como um verdadeiro macaco de imitação, todos os costumes, ideias e comportamentos ditados pelo país estrangeiro dominante do momento. 

Estarão assim tão equivocados? 

Um pouco, mas não muito. Isto porque devemos separar a ideologia da classe dominante brasileira, sempre acostumada a estar a reboque de alguma potência mundial, — consequência de nossa histórica dependência econômica e falta de autoestima nacional —, da cultura popular das comunidades, do interior do país, do norte e nordeste, ou seja, onde o capitalismo menos envenenou as relações humanas.

E se formos reparar bem, é exatamente esta divisão que se reflete hoje no país, fenômeno que fica fácil de ler no mapa eleitoral das últimas eleições: o sul, sudeste e partes do centro-oeste em azul, ou seja, eleitores da direita; parte do centro-oeste, norte e nordeste, vermelhos, eleitores da esquerda. 

O eleitores da direita formam um conjunto bastante heterogêneo, que tem em comum a defesa de características conservadoras ligadas a alguma potência estrangeira. As mesmas que tornaram possível que fossem a classe dominante nacional e que garantem que seus filhos e netos continuarão sendo, como tem sido desde sempre na história do Brasil. 

Se antes o sonho de consumo de nossas elites monárquicas era querer parecer francês, situação que gerou fatos ridículos como uma corte cheia de trejeitos, andando com pesadas roupas europeias e falando pomposamente o "R" arrastado em meio aos pântanos sujos e calorentos da cidade do Rio de Janeiro, hoje são os Estados Unidos que causam esse sentimento vira-latas em nossas elites, sempre ressentidas de serem mestiças e latinas. 

Em muitos países, inclusive europeus, existe essa maciça influência da cultura hegemônica estadunidense, que se reflete principalmente no entretenimento de massas. Mas nossa subordinação ao imperialismo ianque vai um pouco mais fundo do que essa influência do jeans, da coca-cola e do Mickey Mouse, que se consolidou especialmente em meados do século XX. 

Temos que ir nas raízes da tradição colonialista, racista e violenta dos Estados Unidos e do Brasil para entender essa simpatia pelos ianques. 

O filósofo italiano Domenico Losurdo considerava o racismo dos Estados Unidos um fator estrutural da formação do país, a pedra fundadora da nação norte-americana. Seus livros estão cheios de exemplos de como a cidadania, a justiça, os privilégios e os direitos de modo geral eram reservados apenas a uma pequena elite, descendente dos colonizadores brancos que exploravam os outros povos de cor e não a todos os norte-americanos, como a falsa ideologia faz parecer. 

Nem a Guerra Civil mudou este panorama. 

Agora imaginem um país que nem sequer guerra civil teve para contestar a escravidão e o racismo, como foi o caso do Brasil... 

Toda esta arenga foi para finalmente chegar no último exemplo mais acabado do que pode ser uma elite sem amor próprio, sem autoestima, sem vergonha na cara, que nos proporcionou a paródia de golpe nacional que vimos neste domingo. Um arremedo tupiniquim triste da invasão do Capitólio estadunidense, ocorrida 2 anos atrás. 

Setores da burguesia nacional, sem criatividade nem para dar golpes, resolveram macaquear o exemplo estadunidense, por mais que lá o troço tenha sido um verdadeiro fiasco. 

Financiaram ônibus, acampamentos, lanches e pagaram dinheiro vivo para que alguns milhares de idiotas pequenos-burgueses da classe-média, do lumpemproletariado e alguns vovôs e vovós que descobriram um novo sentido para suas vidas tediosas, alguns dos quais acampados em frente ao Quartel General do Exército, ridiculamente conhecido como "Forte Apache" (por falar em viralatismo...), pudessem protagonizar uma "invasão do capitólio à brasileira", um espetáculo farsesco e perfeito exemplo de falta de direção, fundamentos ou objetivos claros. Um quebra-quebra gratuito com apenas a intenção de desgastar o governo recém-empossado com pedidos alucinados de intervenção e satisfazer a sanha golpista das classes dominantes, — da qual aliás, pensam ingenuamente que fazem parte — enquanto os verdadeiros mentores estavam bem longe dali. Alguns, como se sabe, em Orlando, por exemplo... 

A reposta do governo, não obstante a desorganização natural de quem ainda mal formalizou a sua estrutura de poder, foi bastante firme por parte de Lula. O presidente em seu terceiro mandato tem o mérito de ser um ótimo ouvinte que presta atenção nas opções que tem nas mãos para tomar a melhor decisão. 

Apesar de ser instruído pelo patético ministro da Defesa a acionar a famigerada "Garantia da Lei e da Ordem" (GLO), o que colocaria os golpistas militares no controle da situação, Lula preferiu tomar a decisão correta de decretar a intervenção federal na pasta de segurança do Distrito Federal, colocando assim o controle nas mãos de um civil indicado pelo Ministro da Justiça. 

E assim, aos poucos, de forma calma, firme e convicta, Lula venceu este primeiro embate político em seu incipiente governo. O governador do DF sai de cena humilhado; seu secretário de segurança teve prisão decretada; os idiotas da invasão estão presos e responderão por vários crimes e as Forças Armadas estão expostas à opinião pública como protetoras de golpistas proto-fascistas. 

Agora segue a necessidade de, após prender os idiotas úteis que serviram de massa de manobra em Brasília, puxar o fio e chegar até os financiadores, os idealizadores e verdadeiros beneficiários da intentona golpista. São os verdadeiros criminosos que tentaram criar o caos em conluio com setores das Forças Armadas, uma das instituições historicamente mais contaminadas com a postura subserviente ao imperialismo ianque. 

Lula tem o pretexto para radicalizar. Deve colocar toda a estrutura do seu governo para desbolsonarizar os idiotas que servem de massa de manobra golpista, mas também para atacar de uma vez por todas a insalubre tutela militar de nossa democracia, que historicamente representa o perigo de uma quartelada provocada por oficiais que usufruem dos privilégios de ser uma casta parasita dos recursos da classe trabalhadora. 

A luta é dura e está apenas começando. 






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