"A Cor das Desigualdades na Educação Básica Brasileira"

Nesta resenha crítica do artigo "A Cor das Desigualdades na Educação Básica Brasileira", procuro contestar as razões propostas pelos autores Creso Franco, Alicia Bonamino e Fátima Alves para a questão da desigualdade nas escolas brasileiras.

No artigo intitulado "A Cor das Desigualdades na Educação Básica Brasileira", os autores Creso Franco, Alicia Bonamino e Fátima Alves destacam a permanência de desigualdades baseadas na “raça” em sala de aula nas escolas brasileiras, apesar do acesso de alunos considerados pardos e negros, segundo eles, ter aumentado nos últimos anos. Procuram identificar e compreender, através de um estudo bastante técnico, as desigualdades “raciais” no desempenho escolar entre alunos considerados brancos e os considerados negros e pardos, tendo como base a disciplina Matemática. Foram escolhidos alunos no âmbito do ensino fundamental, tendo como fonte, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). 

Os autores dividem a obra em três partes. Na primeira delas, analisam os estudos específicos sobre a questão racial no Brasil; na segunda, apresentam dados técnicos sobre as condições de acesso e de desempenho escolar dos alunos; e por fim, identificam os resultados de instituições de ensino que conseguiram promover a equidade racial.

Na primeira parte — a que eu pretendo me ater mais — os autores dividem os estudos sobre questões raciais no Brasil em três grandes linhas teóricas: a da democracia racial; a que privilegia a desigualdade econômica e não a racial, destacando o conceito de classe social; e a que afirma que a desigualdade tem como ponto principal a questão racial.

Os autores são partidários da terceira linha: o preconceito e a desigualdade no Brasil têm como ponto de partida a questão “racial”. Acredito que existem problemas com relação a este tipo de abordagem. O primeiro deles, diz respeito ao uso do termo “raça” para designar os diferentes fenótipos brasileiros, em especial dois: negros e brancos. Sabemos que é bastante problemático usar este conceito, em desuso nos meios acadêmicos há pelo menos uns 60 anos, especialmente no Brasil, onde as diferenças entre as supostas “raças” não são nítidas como em outros países. Em lugares onde historicamente foi recomendada a não miscigenação entre colonos, nativos e cativos, como em certas antigas colônias inglesas, ainda hoje é possível identificar certos grupos humanos que bem poderíamos chamar “raça”. Mas o mesmo não acontece no Brasil. No nosso país, qualquer identificação baseada em “raça” perde legitimidade, tendo em vista a notória e bem conhecida miscigenação.

O segundo problema, é quando tenta se privilegiar a questão do preconceito racial como o preconceito essencial e a principal razão da desigualdade, que se refletiria no desempenho escolar de alunos do mesmo âmbito escolar. Ignora-se, por exemplo — ou pelo menos não se dá o devido foco — a questão sócio-econômica, no meu modo de ver, muito mais preponderante para explicar todo o tipo de desigualdade no país, inclusive o de desempenho de alunos.

Sabemos que o Brasil é um país ainda conservador, com uma elite tradicionalista, apegada a certos usos e costumes que estão enraizados no nosso imaginário há décadas, e que proliferam preconceitos entre todas as camadas sociais. Acredito que o racismo seja apenas mais uma destas condenáveis práticas, por vezes camuflada, por vezes explícita, da sociedade brasileira. Os autores afirmam que “a ascensão social não elimina a discriminação racial”, como uma evidência de que a questão econômica não é tão preponderante quanto a racial. Isto seria verdade, se outros segmentos sociais passassem a não ser vítimas de preconceito, a partir do momento que ascendessem socialmente. Por isto eu concordo apenas em parte com a afirmação dos autores. Porque esta elite tradicionalista não suporta que suas prerrogativas de grupo sejam postas a perigo, com a elevação de quem tradicionalmente esteve durante séculos na condição subordinada, e a discriminação é apenas uma das suas manifestações. A questão é que a discriminação racial faz parte de um contexto maior, de discriminação geral. Qualquer segmento que venha ascender socialmente, e que venha a ir de encontro ao conservadorismo tradicionalista, que almeje “um lugar ao sol”, é vítima deste preconceito. É neste contexto que vemos o preconceito contra um suburbano (não importa a cor da pele) que vá morar nos bairros nobres da cidade; que podemos compreender os ataques sofridos pelo operário nordestino e "analfabeto" que chega ao poder político; a discriminação contra a mulher que alcança algum tipo de status dentro da sociedade; contra homossexuais declarados etc. Desta forma, podemos perceber que no micro-universo pesquisado no artigo — as salas de aula do ensino fundamental — todos estes tipos de preconceito se repetem, porque todos estão enraizados no senso-comum.

Quando olhamos para uma sala de aula dos colégios públicos, ao contrário da dicotomia proposta pelo artigo — negros e brancos — podemos ver um amálgama de tipos, de etnias e de fenótipos. Qual é a única coisa que todas estas pessoas têm em comum? Todas elas pertencem a uma parcela da população, a maior, de pessoas de baixa renda. Não importa a cor da sua pele, todas elas foram condenadas pelo Estado a estudarem em condições precárias, porque pertencem a uma classe social de onde sempre saiu, durante décadas e ainda hoje, o trabalhador braçal e a mão-de-obra barata do setor de Serviços, entre outros empregos menos complexos e que exigem menos qualificação. Durante o trajeto escolar, reconhecemos que um ou outro será capaz de escapar deste destino, mas no geral é assim que vem funcionando durante muito tempo. Tendo em vista este quadro, como podemos privilegiar a questão racial, se nitidamente estamos diante de uma questão sócio-econômica?

Por conta disso, fica desnecessário, a meu modo de ver, estudar as diferenças de desempenho entre alunos “negros e brancos” dentro da mesma esfera escolar, quando deveríamos investigar e discutir por que certos colégios públicos mantêm um sistema de ensino precário para um enorme conjunto da população (pobre, volto a enfatizar, sem distinção de cor de pele) enquanto uma outra parcela, a que tem indivíduos em condições econômicas para investir na sua própria Educação, alcança assim sempre os melhores postos de emprego. Porque a diferença de desempenho entre alunos “negros e brancos” dentro de um mesmo colégio público, será insignificante se fizermos um outro tipo de comparação: o desempenho de todos estes mesmos alunos juntos, com os alunos do Colégio Santo Inácio, por exemplo. Este sim, é o centro da questão, capaz de explicar o abismo de desigualdade econômica e social que separa o Brasil em duas camadas complexas e distintas: ricos e pobres e não a classificação simplista e inadequada "brancos e negros" . Quando resolvermos este tipo de desigualdade, estará contemplado pelas vias adequadas aquilo que os autores propõem como meta a ser alcançada: a “equidade racial”.





Comentários

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Comunistas não podem usar iPods ou roupas de marca?

Qual é o termo gentílico mais adequado para quem nasce nos Estados Unidos?

Singapura, exemplo de sucesso neoliberal?

O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês

CBF reconhece o título do Flamengo de 1987. Como se isso fosse necessário