Torcer ou não torcer para a seleção brasileira

angelica e luciano huck torcendo pra selecaoEstá lançada a questão: militantes de esquerda devem torcer contra ou a favor da seleção brasileira?

Ao que tudo indica, o assunto não merece a mesma atenção dos militantes de direita, que obviamente parecem estar torcendo fervorosamente pela “pátria de chuteiras” -- haja vista o perfil do público nos estádios dessa Copa – o que por si só é revelador.

Nas redes sociais abundam argumentos de todos os lados. Há quem garanta que a seleção brasileira é um patrimônio cultural do povo brasileiro. Portanto, devemos torcer pelo sucesso da seleção porque o povo fica feliz com a vitória do escrete canarinho. Outros alegam que o futebol foi contaminado por uma máfia que deixou o espírito esportivo de lado em nome do espírito corporativo. E que por isso não torcem pela seleção.

Antes de observarmos cada um dos lados desse debate, é preciso saber de onde falam os interlocutores. Excluindo os oportunistas da direita política, já que o assunto é se o militante de esquerda deve ou não torcer a favor da seleção, de modo geral podemos identificar aqueles que estão mais à esquerda do espectro político como os que torcem contra e os adeptos do lulopetismo entre os que torcem a favor, pois temem que o fracasso da seleção respingue na popularidade do governo. Sabemos que alguns órgãos de imprensa têm esse perfil, como a Carta Capital. E de lá, precisamente, foi que saiu o artigo que motivou essa postagem.

Publicado pelo jornalista José Antonio Lima com o título “A Copa e o paternalismo tosco da esquerda arcaica”, o artigo alega que existe um afastamento cada vez maior entre o povo e os militantes daquela esquerda de verdade, que faz com que ambos não se entendam – o que, em parte, é mesmo verdade. E que setores dessa esquerda acham que sabem o que é melhor para o povo quando incentivam a não torcida pela seleção, e daí o paternalismo nas relações com esse povo. Mas isso nem sempre acontece, e certamente não no caso da torcida pela seleção.

Alegar que o ativismo de esquerda é impositivo, “paternalista”, apenas porque não vai ao encontro da opinião popular, é um lance de má-fé tremendo. Existem instituições realmente paternalistas que impõem à população aquilo que ela deve aceitar e gostar – e a principal delas é a televisão, contra a qual qualquer oposição é uma luta de Davi contra Golias.

Não é o caso de entrar num outro complexo debate sobre o que de fato é naturalmente gosto popular ou uma influência da ideologia dominante – como por exemplo, assistir novelas, ser fervorosamente adepto de tal ou qual religião, ouvir um tipo de música e não outro, etc. – , mas a questão é que não é porque é supostamente popular, que tais costumes são intocáveis. O fervor popular pela seleção brasileira, por exemplo, é uma dessas práticas historicamente bem enraizadas, mas o apoio acrítico à seleção atual, e tudo o mais que isso representa, é uma dessas características que fazem parte de um escopo alienante que pode ser combatido e desconstruído. E isso pelo bem da própria seleção!

Torcer contra a seleção – na verdade, torcer contra a CBF e a máfia que tomou conta do futebol brasileiro – e, mais do que isso, manifestar e angariar adeptos a essa torcida, não é nenhum demérito, nenhum desprezo ao Brasil, como insinua o colunista da mídia governista. Muito pelo contrário. E aqui é bom reiterar que torcer a favor também é um direito que cabe a cada um decidir, desde que devidamente esclarecido e informado – e não porque entrou de carona no clima criado para este fim.

O problema é que o jornalista confunde as coisas e coloca tudo convenientemente no mesmo saco.

É uma falácia enorme dizer que os ativistas torcem contra como se "a vitória da Argentina na final da Copa fosse capaz de instalar automaticamente rede de esgoto na outra metade das residências brasileiras que não têm o serviço". Todo mundo sabe que isso não vai acontecer, e dizer isso é uma desonestidade.

Mas a vitória da CBF é a consagração de todo esse modelo sujo que está aí, e as pessoas deveriam saber disso antes de ser levadas pelo oba-oba das mídias. Daí que toda manifestação por uma completa revolução no futebol merece ser compreendida e não atacada. Torcer contra a CBF é torcer a favor do Brasil, e de mudanças essenciais no futebol (repito, no FUTEBOL) que só poderão acontecer com o fracasso desse modelo, e não o contrário.

Pois senão, temos isso: "Sou contra a Globo, sou contra o José Maria Marin, sou contra o Ricardo Teixeira, sou contra o João Avelange, sou contra a máfia da CBF, sou contra a elitização do futebol, sou contra as grandes corporações que controlam nosso futebol, sou contra a organização da Copa do Mundo no Brasil -- e por tudo isso eu vou torcer pelo sucesso da seleção-Nike-Itaú-Vivo-Mastercard-Unimed-Volkswagen, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra!!"

Isso sim, não dá pra entender…





Comentários

  1. Eu vou torcer sim
    Brasilsilsil
    Bora ser feliz pelo menos no futebol!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Marta,

      Sim, falou tudo, pelo menos no futebol (rs).

      Grande abraço.

      Excluir

Postar um comentário

Faça seu comentário, sua crítica ou seu elogio abaixo. Sua participação é muito importante! Qualquer dúvida, leia nossos Termos de Uso

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Comunistas não podem usar iPods ou roupas de marca?

Qual é o termo gentílico mais adequado para quem nasce nos Estados Unidos?

Singapura, exemplo de sucesso neoliberal?

O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês

CBF reconhece o título do Flamengo de 1987. Como se isso fosse necessário