Considerações sobre o país e o futebol

Passadas a exaltação e a cabeça quente pela derrota histórica, é hora de buscar juízo para analisar, em primeiro lugar, a participação brasileira nesta Copa do Mundo, e, em segundo lugar, tudo o que tem girado em torno desse tema nos últimos meses, englobando não só o futebol, como também a política.

Médici e a Taça Jules RimetNão sei dizer em que momento da História, exatamente, começaram a associar a pátria com o futebol, mas é certo que esse fenômeno foi potencializado ao máximo na época da ditadura civil-militar brasileira nos anos 70. De lá pra cá, era como se todos os problemas sociais e econômicos do país pudessem ser convenientemente esquecidos naqueles momentos em que a escrete canarinho estivesse em campo. Claro que, como qualquer distração dos problemas, o futebol se mostrou um belo instrumento apaziguador de conflitos sociais, e foi muito bem utilizado por nossa classe dirigente. Nesse ponto, o futebol não era só um mero esporte: era o país que dava certo.

Protestos de JunhoÉ natural que uma Copa neste ano de 2014, realizada no Brasil, despertasse esses velhos sentimentos ufanistas. Só que, dessa vez, a mitologia da “Pátria de Chuteiras” foi confrontada com uma grande parcela da sociedade que resolveu denunciar todos os crimes sociais cometidos para que este evento fosse realizado. A estes setores progressistas se uniram também as alas mais conservadoras, aquelas que costumeiramente se convencionou a chamar pejorativamente de “coxinhas”, pelo seu comportamento vira-latas em relação ao país e ao povo. Em comum entre essas duas bandeiras, apenas a crítica ao governo.

A presidente Dilma, seus assessores e os militantes petistas pecaram justamente eu não querer – ou não poder – diferenciar a origem das críticas. Lançaram uma campanha oportunista e desleal de acusações contra qualquer tipo de manifestação à forma como o evento da Copa foi realizado. Além disso, ousaram tachar de “antipatriotas” aqueles que não se sentiram confortáveis em torcer para o sucesso desta seleção brasileira, mais preocupada com o merchandising do que com o futebol. Intentaram – justamente como os militares -- associar o sucesso da seleção ao governo, de olho nas eleições de outubro. Mas eis que veio uma desclassificação humilhante para a Alemanha nas semifinais do evento. E agora o filho feio não tem pai...

Fiasco histórico impõe reformas no futebol brasileiro

desolado-goleiro-julio-cesar-chora-a-eliminacao-do-brasil-na-copa-apos-a-goleada-sofrida-por-7-a-1-para-a-alemanha-no-mineirao-1404858229635_1920x1080No âmbito do futebol, as deficiências ficaram mais evidentes. Uma comissão técnica nitidamente ultrapassada, falta de treinos e seriedade suficientes, campanhas publicitárias em vez de concentração, uma geração de talento abaixo da média, escalações duvidosas (quem apostar que o franzino Bernard foi escalado para enfrentar os fortes alemães porque era ex-jogador do Atlético-MG e o jogo era no Mineirão, não estará viajando muito), fizeram surgir a necessidade de discussões no país sobre uma reforma no futebol brasileiro, de alto a baixo. Não nesses simpósios organizados anualmente por técnicos ultrapassados com vistas a autopromoção, e sim um debate sério sobre o futuro do futebol brasileiro, com a participação até do governo federal.

Pelo menos pra isso que servem as crises: elas desnudam os equívocos que o oba-oba ajuda a ocultar, e nos obriga a tomar providências. Talvez agora alguns daqueles “patriotas” entendam por que muitos brasileiros torceram “contra” a seleção: às vezes, torcer contra é torcer a favor.

    Veja também: O Brasil não é a CBF

De resto, é necessário um esclarecimento óbvio: não se deve cair na esparrela de que a seleção é o Brasil, e que o Brasil é a seleção, que serve muito bem para o marketing e para ocultar nossos problemas sociais sob o mito de “um só Brasil”. Muito menos defender o oposto: que o gosto nacional pelo futebol é a causa de todos os nossos problemas. A seleção tem os seus infortúnios para lidar  agora, mas o Brasil também tem os seus, bem mais urgentes, por sinal. O futebol não deve ser tratado como anestesia que faz o povo esquecer os problemas naqueles minutos de alegria. Comentaristas esportivos como Casagrande e jogadores como David Luiz andaram propagando essa falácia ridícula de que a seleção precisava dar alegria ao “nosso povo sofrido”. Isso não pode mais colar. Porque uma grande parcela da população brasileira já nem está assim tão sofrida e agora quer dar outro salto, ter serviços de qualidade e um país bem governado, com educação, saúde, transportes, infraestrutura e inclusive o direito ao lazer – coisa que o futebol cumpre muito bem, sendo o esporte preferido do país, mas que não pode suplantar em importância as outras demandas.

Enfim, que aquela derrota de 7 a 1 diante da Alemanha possa trazer consequências positivas.





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