Valeu a pena torcer contra a seleção brasileira

Só o fracasso, às vezes, pode expor os equívocos, acabar com as mentiras, as fantasias e o oba-oba, para que as coisas erradas que vinham sendo feitas possam tomar um novo rumo. E talvez assim, algumas pessoas possam finalmente compreender que torcer pela vitória da CBF nesta Copa do Mundo seria um equívoco, porque ajudaria justamente a manter tudo do jeito que estava. Não se trata de achar que agora tudo vai ser lindo e maravilhoso no país porque a seleção perdeu. A derrota pode nos proporcionar, porém, um momento histórico de mudanças concretas no futebol, como eu vinha dizendo desde sempre.

Apesar do fracasso, ainda tentam resistir

A estratégia dos responsáveis diretos pelo maior vexame da história do futebol mundial já está definida: minimizar o impacto do resultado, colocando a culpa da chuva de gols numa suposta “pane” momentânea. Felipão e Carlos Alberto Parreira têm se arvorado para se eximirem de culpa em cada nova entrevista coletiva.

É fácil de compreender. Afinal, ninguém quer carregar nas costas a culpa que Barbosa, goleiro da Copa de 50, carregou involuntariamente até a sua morte. Eles estão em seus papéis, defendendo o seu legado e as suas carreiras, lutando contra os fatos para salvarem suas peles. Mas não podemos aceitar o movimento de acomodação e de mesmice que ameaça pairar sobre este momento histórico: José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, respectivamente presidente e futuro presidente da CBF, já ensaiaram a permanência do Felipão na comissão técnica da seleção, apesar de sua nítida desatualização em relação ao futebol moderno. E Felipão, apesar de realmente não ser o único culpado e sim a consequência de uma má administração que o colocou no posto de treinador, nem tem a decência de, ele mesmo, pedir sua demissão.

Não podemos desperdiçar o momento

Pelo menos o governo federal entendeu perfeitamente que o momento é extremamente oportuno para propor reformas no futebol brasileiro. A presidente Dilma já conversou com os representantes do Bom Senso Futebol Clube, um movimento de jogadores e ex-jogadores que propõe melhorias na gestão do futebol, e se pronunciou sobre, entre outros temas, a necessária formação e permanência dos jovens atletas brasileiros no país, sugerindo medidas para que estes jogadores – assim como os técnicos – tenham as mesmas condições de trabalho e de salários dos maiores centros de futebol. Para isso, nitidamente, é preciso reformular os atuais campeonatos nacionais, cujo potencial vem sendo subestimado por décadas de descaso da milionária CBF.

Derrotar as forças do continuísmo

É claro que tanto a presidente quanto todos aqueles que pretendem aproveitar a crise para mexer nas arcaicas estruturas do futebol encontrarão fortes reações. A começar pela oposição política. Aécio Neves, amigo pessoal de Marin, já atacou as intenções da presidente, acusando-a de querer impor uma “Futebras” para o Estado gerir o futebol. Pura balela. Tudo o que o Aécio quer é proteger seus aliados. E o que conseguiu com essa comparação, na verdade, foi demonstrar que, ao contrário do que diz, se pudesse ele realmente privatizava a Petrobras...

As principais batalhas se darão em três frentes: primeiro, reformular a Lei Pelé, um instrumento de política neoliberal no futebol que serviu para abrir as portas para os empresários e tirar dos clubes a possibilidade de revelar e manter seus talentos. Segundo, pressionar o Congresso pela aprovação do projeto que cria a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte. É importante para os clubes de futebol que seus dirigentes não cometam loucuras econômicas sabendo que não responderão pelas consequências, como tem sido até agora. Isso ajudará a modernizar a gestão dos clubes de futebol, tornando-os mais competitivos. E por fim, enfrentar a Rede Globo de Televisão, que se infiltrou de tal maneira no futebol brasileiro, que transformou um patrimônio cultural que é o futebol quase em propriedade privada, alterando datas e horários de jogos de acordo com seus interesses comerciais.

Esses já seriam grandes passos para recomeçar uma nova história no futebol brasileiro. Só nos resta saber se teremos empenho para vencer as forças do continuísmo e do atraso no futebol.

Só uma coisa é certa: se a seleção brasileira tivesse vencido a Copa, tudo continuaria do mesmo jeito.





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