O Brasil comprova que a democracia é tão falha quanto qualquer outro regime

Nesta última segunda-feira (4/7), o historiador Leandro Karnal, entrevistado do programa Roda Viva, lembrou uma célebre frase do famoso ex-premier britânico Winston Churchill: “a democracia é o pior dos regimes de poder, com exceção de todos os outros”. Essa frase altamente controversa tem ajudado a consolidar a ideia da democracia como valor absoluto em si, universal, que deve ser implementada em todo o mundo indefinidamente. Mas essa noção acrítica só serve para ocultar as falhas e pontos negativos da própria democracia, mesmo em comparação com outros sistemas.

O capitalismo já provou que liberdade e democracia não são condições indispensáveis ao seu desenvolvimento. Seja em sistemas monárquicos, autoritários, ditatoriais ou abertos, o capitalismo sequestra as instituições de poder, representada pelos políticos, e as usa em seu proveito. E aí está o grande problema dos sistemas políticos sob a influência livre do poder econômico: mesmo os mais repressivos, como os do Oriente Médio, que seguem a Sharia rigorosamente, tem por trás a mão do imperialismo a lhe sustentar, principalmente por causa do petróleo nestes casos. Em outros, por outras riquezas, como os diamantes africanos. Seria ilusão achar que o sistema democrático está livre de influências e de interesses do sistema financeiro nacional e internacional, que contamina as decisões políticas de um sistema que significa em tese “poder do povo”, mas que, de fato, se tornou o regime que atende interesses de empresários, banqueiros e fazendeiros.

O próprio Leandro Karnal, em sua entrevista, deu um exemplo esclarecedor sobre como os nossos representantes não representam realmente a nossa vontade, e muito menos respeitam as leis estabelecidas. Segundo ele, o que determina o processo de Impeachment de um presidente da República não é necessariamente o quanto ele violou as leis e praticou crime de responsabilidade, e sim o quanto de “apoio” ele ganhou ou perdeu no Congresso.

corrupcion

Fernando Collor perdeu apoio, e foi impedido. Em compensação, Fernando Henrique sofreu uma enxurrada de pedidos de Impeachment devido as claras e abjetas irregularidades cometidas em seus dois mandatos, e a cada um deles respondeu com “benesses” aos deputados, barrando assim as investigações. O mesmo podemos dizer de Lula. Se não contasse com uma base política forte, comprada literalmente com muito dinheiro disfarçado eufemisticamente de “governabilidade”, só o mensalão já seria motivo mais do que suficiente para um processo. Já a Dilma, que conquistou a fama de “não dialogar com o Congresso” — ou seja, não ser muito adepta de negociatas — foi perdendo todo o apoio da sua própria base, que a levou, mesmo com acusações frágeis, a sofrer um processo de Impeachment, que é sempre um ato extremo.

Como podemos então defender uma democracia dessas como o melhor dos regimes, sem perceber que com ele todo um esquema de usurpação de poder pelos interesses econômicos causa escândalos e mais escândalos de corrupção no nosso país? Mais do que isso: lá na ponta, causa miséria, falta de recursos básicos na saúde e educação, entre outros problemas. Nos falta uma cultura crítica para observar que nada é bom ou mau a priori, e inúmeros interesses estão por trás daqueles que defendem um modelo em detrimento do outro.

A democracia não é a oitava maravilha do mundo, não é o sistema perfeito, nem ideal para todos os países. É apenas mais um, e ainda por cima cheio de defeitos. Muitos países do mundo não têm um regime que passaria na chancela de democracia segundo a ideia ocidental. No entanto, muitas vezes têm mais liberdade do que nós, ótimas condições de vida, mais oportunidades, níveis quase inexistentes de desigualdade social, alta participação social na política, baixos índices de corrupção, IDH elevado…

Então por que diabos nós, que não temos nada disso, havemos de defender cegamente um regime que pra nós, representa meramente ir numa urna eletrônica de dois em dois anos, encenar de forma farsesca  uma participação politica que se resume a apertar alguns botões e depois assistir passivamente nossos “representantes” tirarem e colocarem quem eles bem quiserem no poder, não obstante nosso voto?

Democracia pode até ser funcional em muitos casos, mas sem uma reforma política que vise depurar seus desvios, não deve ser defendida de forma incondicional como vemos por aí.





Comentários

  1. a cidadania seria uma forma precisa para o desenvolvimento de bem estar coletivo quando a exercita por meio de direitos civis, politico, sociais, liberdade política e socioeconômica?

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    1. Olá Maurício,

      De fato, o grau de cidadania que um povo apresenta está diretamente relacionado com as conquistas que a política lhe confere. Ou seja, países em que a população tem uma maior participação e interesse nas coisas que são importantes para sua vida (quase todas elas passando pela política) são capazes de zelar pelo maior bem estar de todos.

      O problema, no nosso caso, é que o Brasil tem uma história um tanto peculiar. O processo de cidadania está intrinsecamente ligado à fundação da nossa República, mas isso não significou uma nação repleta de cidadãos com direitos iguais. Aqui, uma pequena elite sequestra o poder do Estado para trabalhar em seu favor, enquanto nosso passado escravista mal resolvido deixava milhões de pessoas à margem da cidadania: sem emprego, sem educação, sem diretos básicos, coisa que perdura até hoje.

      Se um dia algum governante pudesse resgatar essas pessoas da exclusão social, com certeza muitas outras coisas iriam melhorar para todos. Mas o problema é que nossas elites sempre foram mesquinhas, tacanhas e egoístas, e acham que o problema social é caso de polícia.

      Grande abraço.

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