Eduardo Coutinho e a questão agrária no país

Eduardo Coutinho

Neste 2014 completam-se 30 anos do lançamento do filme-documentário Cabra marcado para morrer, do cineasta e documentarista Eduardo Coutinho, que acaba de ser tragicamente assassinado em seu apartamento no último dia 2, aos 80 anos de idade, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas.

No início dos anos 60 a realidade degradante do mundo rural brasileiro passou a chamar maior atenção da sociedade de um modo geral. Envolvido em atividades do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE) o então jovem cineasta Eduardo Coutinho participou de um projeto itinerante da UNE para registrar e divulgar a cultura popular dos rincões brasileiros. De passagem por Sapé, na Paraíba, onde se realizava um protesto pela morte de João Pedro Teixeira, Coutinho conheceu a viúva do líder camponês morto em 1962, Elizabete Teixeira, e resolveu realizar o filme documentário para contar a sua história.

Interrompido pelo Golpe de 64 e retomado 17 anos depois nos anos 80, na reabertura política, o filme acabou sendo uma narrativa de duas décadas diferentes e de várias histórias que se cruzavam na trajetória de sua personagem principal, Elizabete Teixeira.

O contexto da época do lançamento

Dentre estas histórias, a questão agrária no Brasil tem um grande destaque. O filme, finalmente lançado em 1984, veio bem a calhar, no momento em que o país vivia a expectativa de uma redemocratização e da discussão das reformas pendentes por conta dos 21 anos do regime de exceção. Por todo o país eclodiram movimentos de greve no campo. Em 1979 e 1981, ocorreram duas grandes greves de trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco. Em outros Estados, como no Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo também tiveram greves no campo no começo dos anos 80.

O ano de lançamento do filme foi ainda mais emblemático porque foi exatamente em 1984 que os trabalhadores rurais de todo o país se organizaram e fundaram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Todas essas lutas, assim como o próprio filme, traziam à tona questões agrárias interrompidas pelo Golpe, especialmente a memória das Ligas Camponesas, criada em Pernambuco em 1955, se expandindo pelo Nordeste e que tinha entre seus quadros de afiliados, João Pedro Teixeira, o camponês assassinado que inspirou o filme Cabra marcado para morrer.

Passados esses 30 anos, a Reforma Agrária ainda é um enorme tabu neste país – basta lembrar que o atual governo desapropriou menos terras improdutivas e assentou menos famílias no campo do que o governo militar de João Figueiredo, aquele que justamente deveria impedir reformas… – e a luta no campo ainda causa uma guerra sem fim entre latifundiários e sem-terras assassinados. Mas se alguém tem o mérito de colocar o dedo nessa ferida brasileira, além de João Goulart, é Eduardo Coutinho. Seu trabalho fará falta para as artes cênicas brasileiras de modo geral, mas sua morte trará à lembrança o filme que produziu um grande impacto na época e que pode reacender o debate sobre a questão agrária no Brasil.

Clique AQUI para ver o filme completo.





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