“Autos de resistência” ou licença para matar?

Agentes da CORE e Allyson no chão

Muita gente ficou estarrecida ao assistir ao vídeo divulgado recentemente pelo jornal Extra, que mostra a execução do jovem Allyson Fernandes numa incursão da Core no Morro do Banco em maio, em Itanhangá, na Zona Oeste do Rio. Mesmo depois de rendido, o rapaz de 19 anos foi morto com dois tiros.

A alegação dos policiais envolvidos, mesmo que a gravação os desminta peremptoriamente, é “auto de resistência”, conforme noticiou a rádio CBN hoje. Talvez o hábito seja tão forte que já não sejam mais capazes de improvisar. Ou seja, matou, é auto de resistência, uma realidade que os moradores de comunidades carentes convivem diariamente – embora nem sempre seja possível filmar, como foi no caso do jovem assassinado.

Mas a polícia não mata a esmo. Existe um padrão no perfil de mortos pelas mãos da polícia: pretos e pobres, moradores de comunidades carentes. Ainda existe uma parcela significativa de pessoas que aplaudem esse tipo de ação criminosa. Talvez por isso eles continuem matando.

Conforme já publicado no nosso blog (Passando a limpo a Polícia Militar do Rio de Janeiro (parte 2): as principais mazelas da instituição) o número de mortos numa incursão policial no Rio de Janeiro é 3 vezes superior ao número de feridos, quando se espera sempre que seja o contrário, já que a polícia não é feita pra matar – ou pelo menos não deveria ser.

E quando isso acontece, a desculpa são sempre os mal-fadados “autos de resistência”, ou seja, o mecanismo legal que autoriza os agentes públicos e seus auxiliares a utilizarem os meios necessários para atuar contra pessoas que resistam à prisão em flagrante ou determinada por ordem judicial. Não foi o caso de Allyson. Ele já tinha se rendido. Não foi o caso de milhares de jovens mortos em ações policiais no últimos anos. Os dados coletados pelos pesquisadores Ignacio Cano, Julita Lemgruber e Leonarda Musimeci para livro Quem vigia os vigias não deixam dúvidas, conforme já mostramos aqui:

Os exames das necropsias nas vítimas indica o claro objetivo da execução sumária nas favelas: 46% dos corpos apresentavam mais de 4 tiros; 61% deles tinha pelo menos um tiro na cabeça; 65% apresentavam pelo menos um disparo pelas costas; um terço dos mortos tinham outras lesões além das provocadas por armas de fogo e 40% das vítimas tinham recebido tiros à queima-roupa, a mais clara evidência de execução.

Para acabar com esse artifício legal que funciona como pena de morte, foi sugerida no Congresso o Projeto de Lei 4471/12, que cria regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes das ações de agentes do estado, como policiais. O PL entrou em pauta em abril para ser votado em regime de urgência mas foi retirado logo em seguida. Só com a pressão dos eleitores será possível a aprovação desta lei. A sociedade brasileira mudou nos últimos anos, e apesar de ainda existirem aqueles indivíduos mais grosseiros que dão legitimação a esse tipo de prática criminosa, já não cabe mais assistirmos passivamente essa cena lastimável que ocorre em todas as comunidades carentes do Rio de Janeiro.





Comentários

  1. Aqui polícial entra na corporação para matar "legalmente".

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    1. Pois é Maria, esse também é um grande problema: apesar do aparente rigor, as polícias têm falhado na seleção dos pretendentes a policial. Pra você dar autoridade e uma arma a um indivíduo, todo cuidado é pouco.
      Grande abraço.

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