O brasileiro aprendeu a protestar na prática. Só falta a teoria

Desde 2012, pelo menos, o brasileiro aprendeu a ir para as ruas com mais frequência para reivindicar seus direitos, ou para protestar sobre alguma medida que o desagrade. De uma forma espontânea que até hoje gera debates entre os especialistas, a população se mobilizou e chegou a colocar um milhão de manifestantes nas principais cidades do país.

Naquela época, o movimento começou contra o aumento abusivo das passagens de ônibus em algumas das capitais do país, organizado pelo Movimento Passe Livre. Aos poucos, no entanto, a indignação perdeu o foco. Diversas demandas foram entrando na pauta, temas que pouco tinham a ver com transportes públicos, que iam desde a falta de professores nas escolas até o problema da saúde pública.

Até que se chegou a esse tema superficial, genérico, inócuo e falacioso do "combate à corrupção". Corrupção de quem? Quando? Aonde? Ninguém sabia dizer, ou dizia genericamente "do governo", ou "dos políticos em geral". Nesse momento, o Movimento do Passe Livre já não tinha mais nenhum controle sobre as reivindicações. Isso foi bom ou ruim?

Bom, se levarmos em conta no que deu, veremos que foi ruim. Sem uma diretriz, as manifestações viraram passeatas alegres, sem sentido, onde as pessoas iam para participar da "festa da democracia", como se dizia nas mídias. Aliás, uma das grandes desvantagens da perda de foco dos protestos foi permitir que a Globo pautasse as reivindicações.

Assim, como deixa muitíssimo claro o professor Jessé Souza no seu livro A Radiografia do Golpe, onde ele mostra ponto a ponto o momento da virada, em que os protestos saem do controle espontâneo da população para as mãos da Globo, toda a indignação contra os empresários de ônibus virou insatisfação com o governo Dilma e a "corrupção do PT". De lá pra cá, com a Globo na batuta dos protestos, aos poucos a classe média reacionária assumiu também as ruas, com suas reivindicações afetadas e deturpadas, que culminaram com o golpe contra a presidente Dilma.

Outros protestos têm sido realizados atualmente com uma base realmente popular, ou pelo menos legítima. Foi assim com a ocupação das escolas pelos alunos Brasil afora. Pode ter sido o começo de um movimento incipiente que vai crescer ao longo do tempo, mas o mais provável é que tenha se perdido uma grande oportunidade de revolucionar a gestão e a qualidade das escolas públicas. Porque não existe um planejamento prévio daquelas metas que se pretende atingir. Pelo menos nesse caso é louvável que os estudantes tenham se reunido em assembleias para propor as medidas e votar as questões, mas o fato de nada ter acontecido de relevante e os grupos tenham se desmobilizado mostra que não houve uma sequência planejada. Agora a população ganha as ruas mais uma vez, desta vez contra as medidas draconianas do governo ilegítimo.

Para vencer a indiferença ou a manipulação desse câncer brasileiro chamado rede Globo, e principalmente para não repetir os erros de 2012 e 2013, é preciso planejar cuidadosamente os alvos que se quer atingir. E pra isso, é preciso sim, ao contrário do que pregam algumas correntes pós-modernas, uma vanguarda diretora, que dita os caminhos e corrige os rumos, não se deixa levar pela apatia e que está sempre pronta a lutar, como as centrais sindicais e os partidos políticos. Mobilização espontânea é como um carro sem motorista, o primeiro que sentar o dirige para qualquer lado.





Comentários

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Comunistas não podem usar iPods ou roupas de marca?

Qual é o termo gentílico mais adequado para quem nasce nos Estados Unidos?

Singapura, exemplo de sucesso neoliberal?

O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês

CBF reconhece o título do Flamengo de 1987. Como se isso fosse necessário