Devemos nos preocupar com o futuro que os nerds estão criando para nós?

 


Como será o mundo agora que os nerds parecem ter tomado o lugar dos brutamontes na história? 

Desde que o primeiro hominídeo pegou um osso alongado de alguma caça e percebeu que poderia transformar aquele objeto em arma, que nós vivemos sob a influência da agressividade, do medo e da guerra nas relações humanas. Civilizações inteiras foram criadas com base nessas premissas, onde os valores pessoais relacionados a estas características foram enfatizados. Eram conceitos que fizeram o homem, mais equipado para este tipo de sociedade, suplantar a sensibilidade e a intuição femininas como ideais a serem resguardados. 

Com isso, extrapolando-se da mera relação interpessoal, a lei do mais forte passou dos clãs às tribos, das tribos às aldeias, das aldeias às cidades, e das cidades aos estados modernos, mantendo-se o permanente estado de rivalidade, agressividade e animosidade contra os vizinhos. Nem sequer o Iluminismo e o liberalismo burguês, no século XVIII, com suas regras de conduta, sua diplomacia, sua defesa dos diretos humanos e respeito pelas leis, foram capazes de evitar que centenas de guerras acontecessem a cada ano desde então, bem como que a violência machista, misógina, racista ou homofóbica, pudessem acontecer em diversos episódios lamentáveis desde então. 

Tudo isso, entretanto, parece estar sofrendo uma espécie de transformação para um outro tipo de sociedade, ao mesmo tempo que especialistas e cientistas sociais identificam — com razão ou não — o fim da era industrial e o surgimento de uma era pós-moderna, onde a força física, que determinava o prestígio em diversas áreas, cede lugar ao intelecto. Na era da informação, dos computadores, das guerras tecnológicas, do robô fazendo a maior parte do trabalho pesado nas fábricas, a inteligência passou a ser mais valorizada.

E quem é o arquétipo perfeito desse novo tipo de homem que surge no horizonte? 

Isso mesmo, os nerds. Durante tanto tempo, este produto da cultura do século XX que representava a verdadeira antítese do homem forte, atlético e corajoso, que foi tão humilhado, ridicularizado, indesejado, hoje encontrou a redenção. Ser nerd não é mais motivo de vergonha, há até quem faça questão de ser reconhecido como um, e, na TV, a mudança de paradigma fica clara quando o nerd tímido e esquisitão dos filmes dos anos 80 se torna o protagonista de séries populares como em The Big Bang Theory. Agora o momento é deles, e a até então aclamada violência do fortão da escola que batia em nerds passou a ser associada com estupidez, ignorância e falta de inteligência. 

Hoje os grandes influenciadores do mundo são eles, os Bill Gates e Mark Zuckerbergs, além daqueles que trabalham anonimamente em institutos de tecnologia e internet, projetando softwares, hardwares, robôs e inteligência artificial. Pouco se fala de aprimorar, estreitar e melhorar as relações humanas diretas; o contato físico e a interação cooperativa que acontece pessoalmente vai perdendo espaço. 

Isso é até relativamente compreensível. Durante muitos e muitos anos, os nerds eram pessoas isoladas, que fracassavam miseravelmente nas relações pessoais, que se sentiam muito melhor na companhia de seus aparelhos tecnológicos do que com um ser humano de carne e osso, num grande sentimento de misantropia ressentida. 

Que mundo, portanto, os nerds estão criando para nós?  

É um mundo em que cada pessoa é um átomo que interage com outras pessoas somente intermediada por máquinas, que criam uma realidade virtual onde as relações humanas são dentro desse mundo paralelo, não do mundo real. É pra isso que trabalha, por exemplo, Zuckerberg, o fundador do Facebook, no seu novo projeto chamado Meta

Difícil não fazer nenhum tipo de paralelo com filmes que já anteciparam um panorama deste novo mundo, como em Demolidor, onde o sexo no futuro é virtual, feito através de um capacete de estímulos sensoriais e a reprodução é in vitro, sem relações sexuais e onde as pessoas nem sequer podem encostar umas nas outras no dia a dia; e Matrix, onde os humanos vivem dentro de uma realidade virtual que simula perfeitamente a vida real, enquanto máquinas sugam a energia dos seus corpos conectados para alimentar os robôs. 

Devemos estar felizes pela lei do mais forte estar sendo suplantada por um outro tipo de sociedade, mas acho difícil que possamos celebrar o que vem por aí. A velha supremacia da força física deu na criação de instituições como as religiões patriarcais e o capitalismo, que ajudaram a perpetuar a supremacia da força e da violência para o controle social, através de castigos físicos e do medo. Com a transição da sociedade da força para a do intelecto, é a mente humana que estes velhos senhores do poder pretendem dominar, e pra isso estão trabalhando diariamente. 

Tanto os brutamontes quanto os nerds são produtos que se adequam a um mesmo propósito: manter o establishment funcionando para que sirvam às classes dominantes do mundo. Apenas o método que sofre uma transição. 

Esse novo mundo dos nerds do vale do silício deve ser rejeitado, e uma revalorização das relações humanas de cooperação pessoal e interação, contato físico e altruísmo devem ser nossas bandeiras contra aqueles que antes valorizavam a força e a violência e agora o intelecto, com o único fito de manter seus controles sobre a maior parte das pessoas deste planeta Terra. 

Nem brutamontes nem nerds.. Nem controle, nem capitalismo. 





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