Nomeação de André Mendonça deveria preocupar Lula

Aliados de outrora, evangélicos foram apoiadores do golpe no Congresso

Jair Messias prometeu e cumpriu. E também comemorou nas redes sociais o que considerou uma vitória pessoal. Emplacou o seu ministro "terrivelmente evangélico" dentro do Supremo Tribunal Federal. Quais as consequências disso para o Brasil, e especialmente para um possível novo mandato de Lula, a partir de 2023? 

Há muitas coisas a se considerar nesta nomeação de André Mendonça para o STF. 

Antes de mais nada, deveria um presidente da República nomear ministros do Supremo Tribunal Federal? 

Existe uma formalidade chamada sabatina que ocorre no Senado, onde o candidato à vaga no STF precisa responder uma série de questões para ser aprovado. No entanto, sabemos que aquilo não passa de mera encenação. Desde 1894 todos os postulantes ao cargo foram aprovados. Somente cinco não foram até hoje, todos neste mesmo ano de 1894. Isto quer dizer que há 127 anos o presidente da República nomeia tranquilamente ministros na mais alta corte de justiça do país. 

Se já seria bastante controverso que um poder, no caso o executivo, pudesse escolher membros de outro poder — o judiciário — numa clara violação da teoria da separação e independência dos poderes de Montesquieu, ainda mais disparatada era a justificativa do presidente da República para esta indicação: que o candidato fosse "terrivelmente evangélico"!

O republicanismo ingênuo de Lula

Luis Inácio Lula da Silva, desde que foi eleito presidente, em 2002, sempre preferiu jogar dentro das regras estabelecidas do jogo político. Sua rendição ideológica se deu já neste mesmo ano com a famigerada "Carta aos Brasileiros", onde, na verdade, manda um recado ao mercado financeiro, detentores do poder na plutocracia brasileira: "não vamos mexer nos pilares que lhes garantem os privilégios". 

A mesma cortesia não lhe é garantida pelos homens do dinheiro e seus garotos de recado na política e no judiciário, quando o assunto é garantir a estabilidade dos governos petistas. Enquanto Lula preferiu prestigiar as instituições burguesas, numa tentativa ingênua de colocá-las a serviço de um republicanismo idealizado, as classes burguesas se infiltraram na suposta "neutralidade" de entidades como a Polícia Federal, o Ministério Público e, agora, o Supremo. 

Foram estas as instituições, junto com o Congresso, que foram colocadas a serviço das classes dominantes para rasgar as regras da democracia, criando um factoide burlesco chamado "pedalada fiscal" para tirar Dilma Rousseff do poder, ao mesmo tempo que outro instrumento chamado Lava Jato colocava Lula na prisão com um julgamento tão desastrosamente ilegal — como ficou comprovado com o vazamento de conversas dos envolvidos — que teve que ser totalmente anulado. 

Mas a questão central é: enquanto Lula continua apostando no republicanismo, na conciliação, na neutralidade das instituições e em seguir fielmente as regras do jogo — em vez de usar esse poder legítimo de nomear ministros do Supremo para indicar candidatos com viés ideológico comprometido com as classes populares —, a burguesia não tem o menor pudor de usá-lo a seu favor

O resultado prático a título de exemplo: enquanto 5 dos 7 ministros indicados por Lula votaram a favor da sua prisão no caso do Triplex do Guarujá, cujo julgamento foi considerado, mais tarde, ilegal pelo próprio STF, o presidente Bolsonaro diz que irá tomar café da manhã toda semana com Mendonça. O assunto certamente não será futebol... 

Há um projeto de poder evangélico? 

Se depender de Edir Macedo, sim. Ele é autor do livro Plano de Poder, lançado em 2008 e que conclama os evangélicos a tomarem diretamente o poder no Brasil, concorrendo cada vez mais em cargos políticos. 

Porém, muitos dos seus representantes que atuam na política têm sofrido condenações na Justiça por seus mais variados e contumazes crimes, como Eduardo Cunha, pastor Valdemar Costa Neto, Flordelis, etc. sem mencionar políticos ligados por interesses a essa vertente religiosa, como Wilson Witzel, Jairinho, e outros do tipo.

No entanto, penetrar na mais alta corte de justiça do Brasil com um ministro "terrivelmente evangélico" parece ser mais um movimento no tabuleiro do xadrez político efetuado pelos evangélicos na sua busca do poder. Certamente Mendonça verá os malfeitos de seus coirmãos religiosos de forma mais condescendente na hora de julgá-los...

Na falta de uma elite ilustrada ou, sequer, de uma burguesia laica, é bem capaz que os evangélicos alcancem o poder político de fato. Para as classes dominantes, na sua tacanhez que lhes é característica, já será suficiente que os evangélicos possam cumprir o papel de conter as sofridas massas populares, na sua busca de justiça social, fomentando o conformismo e a busca de justiça no além, e não na vida real. 

Enquanto isso, Lula propõe nova aliança com os evangélicos acreditando serem eles neutros ou dispostos a apoiar um projeto social progressista. Isso sem falar nas nomeações "técnicas" e do respeito à "lista tríplice" na nomeação dos Procuradores da República... 

Mendonça no STF deveria ser motivo de Lula colocar as barbas de molho. "Onde se lê "terrivelmente evangélico", poderia se ler perfeitamente "terrivelmente hostil ao PT". É o que representa André Mendonça no STF. Tudo indica que o petista quer repetir o mesmo caminho que lhe imputou uma condenação injusta e o impeachment de Dilma. Quer pagar pra ver. Aposta que dessa vez a burguesia aprendeu a aceitá-lo. 

Vai sair caro demais não só pra ele, como para o Brasil inteiro, mais uma vez... 





Comentários

  1. Pablo Vinicius05/12/2021, 10:39

    Que situação, parece que estamos de novo tendo que escolher entre o menos pior pra presidente. Lula vai ganhar apesar de todas as condenações porque o outro candidato é o bolsonaro.

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    1. Olá Pablo,
      O único reparo que eu faço no seu comentário é que todas as condenações que Lula sofreu foram invalidadas pela forma ilegal com que foram produzidas.
      Podemos gostar ou não desse detalhe, mas numa sociedade de direito que defendemos como a melhor para se viver em comunidade, Lula é perfeitamente inocente de quaisquer acusações.

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