A radiografia do golpe

Jessé Souza, autor do livro A Radiografia do golpe

Conheço o trabalho de Jessé Souza já há algum tempo. Foi em 2011, na livraria da UERJ, que eu encontrei um livro cujo título me chamara a atenção: A Ralé Brasileira. O título já mostrava, de cara, o estilo provocador e direto que eu viria a conhecer e admirar mais tarde, lendo os seus livros.

Em um de seus últimos trabalhos, A radiografia do golpe, o professor potiguar da UFF faz uma análise precisa, não só conjuntural do golpe praticado contra a presidente Dilma Rousseff, mas também na longa duração, apresentando as características sociais do nosso país que levam a essas constantes infâmias históricas. O livro foi escrito em abril de 2016, momento em que o país assistia horrorizado àquela pantomima burlesca da votação do Impeachment na Câmara dos Deputados. Portanto, mesmo não sabendo ainda se Dilma seria absolvida no Senado, Jessé lançou o livro, já conhecendo as características dos nossos políticos.




O livro, relativamente pequeno mas incisivo em todas as suas páginas, traz três capítulos. O primeiro capítulo, que visa esclarecer as pré-condições do golpe, como o próprio autor admite, repete os argumentos e ideias do livro lançado anteriormente, A tolice da inteligência brasileira. Se você não o leu, ótimo, mas se sim, poderá pular essa primeira  parte do livro A radiografia do golpe tranquilamente. Nela, o autor revela os mecanismos que permitem à “elite do dinheiro” ser a mandatária do golpe, já que é sempre ela, historicamente, a dona do poder. Através de um sempre mal definido “combate à corrupção”, imputado somente ao inimigo político da ocasião, se derruba governos e políticos indesejados.

Quem é a elite do dinheiro?

De acordo com Jessé Souza, essa elite é o topo da pirâmide social, aquela que tem de fato, o poder, porque tem o dinheiro:

A elite do dinheiro é antes de tudo a elite financeira, que comanda os grandes bancos e fundos de investimento. É a ela que as outras frações de endinheirados, como a fração do agronegócio, da indústria e do comércio, confiam seu lucro. Todas as frações de endinheirados ganham mesmo é com as taxas de juros exorbitantes, que significam uma espécie de ‘taxa extra’ associada aos preços do mercado. Todas as outras classes pagam essa taxa a esta ínfima elite. Isso, obviamente, não aparece nunca nos jornais ou telejornais cujos articulistas econômicos são pagos direta ou indiretamente por esta mesma elite para legitimar esse saque ao bolso coletivo.(pág.13)


A mídia a serviço dos ricos e poderosos

Antes de poder saquear a riqueza do nosso trabalho, as elites precisam criar um discurso em que esse roubo tenha aparências de legitimidade. Por isso “tem que colonizar e aprisionar o espírito do explorado”. Então, a primeira elite a ser comprada é a intelectual. São eles que vão construir o discurso de legitimidade deste sistema perverso, tentando nos convencer que todos os privilégios dos ricos são merecidos e justos. Se, antes, este papel cabia à religião, hoje —não obstante ainda existirem religiões que pregam o conformismo e resignação dos explorados perante as injustiças —cabe às ciências o papel legitimador dos privilégios indevidos na nossa sociedade. Nas universidades, no debate público e em outros setores, prevalece a defesa do status quo.




A seguir, é a classe política que é comprada através do financiamento das candidaturas; depois a elite jurídica, literária, etc. até que se cria o senso comum nos botecos, nas conversas de rua, nas filas do supermercado, etc.

Histórico da elite do dinheiro

Segundo Jessé, a hegemonia dessa elite do dinheiro não vem de agora. Desde que ela perdeu o controle do Estado nos anos 30 pela Revolução de Vargas, ela criou seu QG em São Paulo, que já era o centro de riqueza do país e com a construção da USP, para (tentar) se tornar também o centro de irradiação da ideologia liberal-conservadora (liberal na economia, conservadora nos costumes).

De fato, São Paulo hoje continua sendo o Estado mais reacionário do país e como é também o Estado mais rico, com as maiores mídias, sua ideologia é propagada ao resto do país, mesmo em lugares onde o básico do Estado, como escola e eletricidade, nem tenham chegado ainda.

A gênese do golpe: as jornadas de junho

No segundo capítulo, Jessé traz o argumento que representa a originalidade do livro: aponta a gênese do golpe que se consolidou neste ano de 2016 em junho de 2013, precisamente nas manifestações que começaram contra o aumento das passagens. Numa série de pontos que relembram a atuação da mídia na cobertura destes eventos dia após dia, o autor aponta como as manifestações progressistas e locais se tornaram naquela coisa horrenda de coxinhas da classe média com suas vestimentas verde e amarela pedindo o fim da corrupção no governo federal. Foi uma das atuações mais criminosas, parciais, partidárias e absurdas da imprensa brasileira, que tomou as rédeas da oposição política pelas mãos e desde então bombardeou o governo, que na época contava com altos índices de aprovação.




A manifestação perdia o seu sentido popular e reivindicativo e se tornava uma “festa popular” contra a corrupção e a ladroagem na política, o que se tornava definitivamente a bandeira central. O PT e os manifestantes de esquerda foram hostilizados. Aqueles ligados a partidos políticos foram expulsos. A Fiesp exibiu a bandeira do Brasil em seu prédio. (pág.93)

A seguir, Jessé analisa como a entrada de um novo sócio no clube das elites golpistas veio a dar ares de legitimidade nas decisões arbitrárias e temerárias da justiça: Sérgio Moro, orientado direto dos EUA e seus asseclas do judiciário inauguram a estreia da classe togada no cenário e a sua “fulanização” da corrupção, imputando a um ou outro —sempre o inimigo politico da ocasião, lógico — um problema sintomático do próprio sistema político burguês.

Na conclusão do seu trabalho, Jessé Souza faz um balanço de tudo o que foi apresentado com uma sentença preocupante: “as perspectivas são de um capitalismo selvagem do saque da riqueza nacional, com um Estado repressivo e policial”. Mas termina com uma esperança, de que ninguém aguenta tanta farsa e tanto cinismo por tanto tempo. Uma hora, as pessoas vão se levantar e cobrar tudo o que está sendo feito.

Será? Torçamos...









Comentários

Gostou do blog e quer ajudar?

Você também poderá gostar de:

Comunistas não podem usar iPods ou roupas de marca?

Qual é o termo gentílico mais adequado para quem nasce nos Estados Unidos?

Singapura, exemplo de sucesso neoliberal?

O mito do livre mercado: os casos sul-coreano e japonês

CBF reconhece o título do Flamengo de 1987. Como se isso fosse necessário