Eleições Municipais: no Rio, segundo turno divide o mapa eleitoral da cidade

Freixo e Crivella

A apuração da eleição municipal na cidade do Rio de Janeiro chegou ao fim na noite deste domingo com confirmação de segundo turno e um fenômeno curioso: Marcelo Crivella, primeiro colocado com 27,7% dos votos, é um candidato nascido na alta sociedade do Leblon e criado em Copacabana, mas venceu nas áreas mais pobres e menos escolarizadas da cidade; Marcelo Freixo, por seu turno, com 18,2% da preferência, veio da periferia pobre de Niterói e venceu na maioria dos bairros ricos da zona sul e de classe média da zona norte do Rio. Ou seja, os de cima votaram no de baixo e os de baixo votaram no de cima.

Dois candidatos sem grandes coligações

Marcelo Crivella teve pouco apoio político no primeiro turno. Sua coligação, ao contrário da surubática aliança de 15 partidos do PMDB, conta com três partidos pequenos: PRB-PTN-PR. Mas apesar de se dizer ex-bispo (está apenas licenciado, numa nítida tentativa de descolar a sua imagem da desgastada Igreja Universal, dirigida por seu tio Edir Macedo) recebe o apoio pouco disfarçado de diversos segmentos evangélicos, que predominam justamente nas áreas com pouca instrução escolar.

Já Marcelo Freixo, cuja coligação conta apenas com o bravo PCB, tem baixíssima penetração nestas áreas, ainda dominadas por milícias que não simpatizam com a sua campanha — e com razão, afinal de contas, foi ele quem colocou mais de 600 deles na prisão através da CPI. Além disso, sofre com a dificuldade crônica das esquerdas de entenderem a vontade do trabalhador pobre, de abraçar suas causas e confortar suas angústias com esperança política no futuro, papel que a igreja tomou dos partidos políticos nestas regiões carentes. Seu eleitorado é composto por jovens, em grande parte universitários, funcionários públicos e cidadãos com maior escolaridade, o que se reflete na polarização do mapa eleitoral:

mapa eleitoral

Através do mapa, fica bem claro as regiões específicas onde cada candidato ganhou no primeiro turno. Não há uma pulverização bem espalhada de preferências por toda a cidade. Marcelo Crivella vence nas áreas pobres, Marcelo Freixo nas áreas mais ricas e Pedro Paulo só ganhou na região da Barra e Recreio, bairros beneficiados pela maioria das obras das Olimpíadas. Aliás, outro grande fenômeno digno de nota desta eleição é a derrota do PMDB, com suas ricas doações de campanha de empresários e suas quase duas dezenas de partidos coligados. Eduardo Paes, ao insistir na candidatura do seu pupilo, cometeu um erro grave: pensou que repetiria Lula, que com a sua força popular, elegeu um poste chamado Dilma, e subestimou a questão da violência contra a mulher, acusação que foi sempre lembrada e decisiva nesta campanha. No mínimo, deve ter pensado: “ninguém vai ligar pra isso, somos machistas e todo mundo aceita essa situação”. Pobre Eduardo Paes… As mulheres cariocas lhes deram a resposta nas urnas. O mundo mudou e ele ainda não percebeu…

O que cada um precisa fazer pra ganhar

Creio que, agora, a tarefa de Marcelo Freixo seja mais difícil — ou, pelo menos, menos óbvia — do que a de seu xará: para ganhar esta eleição, ele precisa invadir de corpo e alma a inóspita Zona Oeste e conquistar os votos laicos daqueles que não querem a Universal no poder. Além disso, terá que lutar pelo eleitorado da Barra, onde ficou em segundo, apenas 0,7% à frente de Crivella. Se prevalecer a lógica da escolaridade, é capaz dele herdar muitos votos nesta região.

A tarefa de Crivella é teoricamente mais fácil: além de já estar em primeiro com o eleitorado fiel dos evangélicos, basta fazer uma óbvia aliança com o filho do Bolsonaro e herdar a maioria dos seus 424 mil votos conservadores. Estes rejeitam Freixo até à medula, mas o problema pode ser a questão religiosa: muitos bolsonaristas ligados à velha e desgastada tradição “deus, pátria e família” são da Igreja Católica. Podem optar pelo voto nulo em vez de eleger um notório evangélico.

Com tudo isso, a batalha do segundo turno está aberta. A decisão pode estar, quem sabe, naqueles 677 mil eleitores que anularam ou votaram em branco neste primeiro turno. Pode ser que agora muitos deles deem um voto não de confiança num candidato, mas de veto ao seu adversário, imaginando um cenário menos pior, caso aquele vença as eleições.

Que vença o melhor. Ou, mutatis mutandis, que vença Marcelo Freixo.  





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